Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Uma semana de dor, tristeza e indignação

Que os últimos dias sirvam de bússola para repensarmos a sociedade que queremos. Outubro é logo ali

Marcelo Arruda e o seu assassino bolsonarista
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“A coisa vai mal para nós.
A escuridão aumenta. As forças decrescem.
Agora, após termos trabalhado tantos anos, estamos
Em situação mais difícil do que no início.

O inimigo, porém, está mais forte do que nunca.
Suas forças parecem maiores (…).
Cometemos erros, sim, não dá mais para negar (…)
Uma parte de nossas palavras
O inimigo distorceu até ficar irreconhecível.” Bertolt Brecht

Nas primeiras horas de domingo, circulavam nas redes sociais notícias que davam conta de que a ameaça fascista, que há muito nos assombra e amedronta, fez mais uma vítima. Em Foz do Iguaçu, no Paraná, Marcelo Arruda comemorava a chegada de seus 50 anos em uma festa temática, cuja decoração expressava sua admiração pelo ex-presidente Lula. O que deveria ser um momento de celebração se transformou em tragédia. Guarda municipal filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), Marcelo teve a festa invadida pelo policial penal federal Jorge Guaranho, que aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”, atirou. Diante de amigos e parentes, Marcelo perdeu a vida, deixando a esposa e quatro filhos. A mais nova é uma recém-nascida, com pouco mais de 40 dias.

Antes de morrer, Marcelo Arruda conseguiu evitar uma tragédia ainda maior ao atirar contra seu algoz, que permanece internado. Segundo testemunhas, nos instantes que antecederam o crime, Jorge Guaranho prometera matar todos que estavam na festa, numa tentativa de colocar em prática o que o presidente Jair Bolsonaro anunciou na campanha eleitoral de 2018: “Vamos fuzilar a petralhada!”.

Como tem sido praxe em seu governo, até o momento, Bolsonaro não esboçou qualquer gesto de humanidade em relação ao sofrimento da família de Marcelo Arruda. Muito pelo contrário. Ele tem usado o crime para disseminar ainda mais ódio contra partidários da esquerda, como se vivêssemos em uma guerra de “nós x eles”. Dentro dessa lógica, a intimidação, a ameaça, a perseguição e o terror devem ser empregados para silenciar aqueles que são contrários ao seu governo. Enquanto isso, a violência política, que teve como marco a morte de Moa do Katendê na capital baiana em 2018, aumenta de maneira assustadora. Eleitor de Fernando Haddad, o mestre de capoeira e ativista cultural foi morto a facadas por um eleitor de Jair Bolsonaro.

Se o assassinato de Marcelo Arruda por si só mostra que a barbárie toma conta do país, a prisão do médico Giovanni Quintella Bezerra, na terça-feira, evidencia que tudo é muito pior do que podemos imaginar. Graças à ação das enfermeiras do Hospital da Mulher de São João de Meriti, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Giovanni acabou flagrado enquanto estuprava uma grávida em trabalho de parto. O médico anestesista encontra-se preso na penitenciária de Bangu 8.

O crime abominável, nauseante, chocou o país, trazendo à tona a situação de vulnerabilidade a que nós somos submetidas diariamente. Não há um único lugar em que nossa vida esteja resguardada, segura. O desprezo, o descaso para com as mulheres, é mais uma faceta de um país que tem a violência de gênero como um dos pilares. Como se não bastasse, no momento atual, vivemos sob um governo que não tem o menor apreço pela condição feminina, manifestada não só em falas de cunho machista e sexista do presidente da República, mas também no esvaziamento e no corte de verbas de programas voltados para a proteção de mulheres e meninas.

Apesar dos episódios bárbaros, essa semana profundamente marcada pela dor, pela tristeza e pela indignação não pode ser esquecida. Ela escancara que estamos afogados em um poço fétido, que parece não ter fundo. Urge uma faxina ética e moral no Brasil, conforme disse certa vez a médica maranhense Fátima de Oliveira.

Que os últimos dias sirvam de bússola para repensarmos a sociedade que queremos. Outubro é logo ali.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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