Opinião

Uma pequena entrevista com um pequeno produtor rural do Brasil

Enquanto isso, todos se dizem preocupados com a maneira equivocada como Ricardo Salles conduz a política do Ministério do Meio Ambiente

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Mão direita fraturada, para as atividades digitais e manuscritas sobra a mão esquerda. Inapta, porém mais adequada ao ideário que sigo há quase sessenta anos. Serve a nada, pouco mais do que o pouco das ações dos partidos de esquerda diante das inações e patacoadas do governo do Regente Insano Primeiro, RIP.

Uma das coisas que mais me irritam são as aparições de Bolsonaro no “cercadinho” de jornalistas no Palácio do Planalto, a enviar aleivosias contra os profissionais, apoiado por claque ignara, formada de adeptos do cachê e do papel de bobos da corte.

Não arredam pé, os jornalistas, mesmo cientes do espetáculo dantesco que virá. Alguns internautas se manifestam, “seus patrões os obrigam a comparecer, na esperança de algum furo de reportagem”.

Até tendo a concordar. Tanto que pensei propor a Nestor & Pestana, repórteres no BRD, do GGN, para que lá comparecessem com maior frequência. Este o motivo da fratura na mão direita. Ofensas e palavrões não menciono. Apenas aguento. Dor, não.

Argumentei, já dominado no chão da redação: “Companheiros, jornalismo é informar o insólito. Vai que um dia ele queira se provar ‘imbrochável’ e resolva se masturbar diante das jornalistas presentes, ou mencione que, na sua opinião, meio ambiente ser local fálico de introdução sexual”? Um de seus filhos não falou algo sobre “mulheres que não raspam o sovaco”?

Os repórteres dos BRD e Facebook (N&P) apertam a torção. A dor sobe até o ombro. Últimos grunhidos, lágrimas já escorrendo dos olhos:

“Aaaaiiii! Tá doendo. E nós fora disso apenas pelos pruridos esquerdistas de vocês? Estão todos lá! Pago ônibus, sanduíche e refrigerante. Hotel? Ligo para o Santuário dos Pajés.”

A devastação

Pode também significar ruína, desintegração, peste. No final, sobram os destroços. Foi e tem sido assim com desastres espaciais, naufrágios, acidentes aéreos, guerras internas ou mundiais.

No cordial da Federação das Corporações, além de tudo o mais, acontece com a preservação ambiental, promovida por Ricardo “Playboy” Salles, sob beneplácito de RIP. Sobrarão destroços. Carniças para o exército ruralista.

Deixamos de receber 154 milhões de reais do Fundo Amazônia, patrocinado por Alemanha e Noruega; em um ano do RIP, o desmatamento cresceu 40% na região.

De Marina Silva (existe?) a Rubens Ricupero, passando por Carlos Minc e Izabella Teixeira, todos, em carta, se dizem preocupados com a maneira equivocada como Ricardo Salles conduz a política do ministério.

Nem precisava. Todos estamos vendo.

Pequena entrevista com um pequeno agricultor

Na semana que precedeu o carnaval, choveu torrencialmente na região sorocabana do estado de São Paulo. Pelo que me informam, não somente lá.

Capa plástica, chapéu caipira, guarda-chuvas, botas, e a lama fazendo atolar o carro em vários trechos do caminho, fiz-me repórter e fui entrevistar o agricultor Pedro Paulo Santos. Seu nome me remeteu ao catolicismo. Quem sabe o de Francisco.

CartaCapital: Idade e local de nascimento?

Pedro Paulo Santos: 43, Apiaí.

CC: Casado? Filhos?

PPS: Sim, uma menina, a Adélia.

CC: Culturas que planta?

PPS: Hortaliças e um pouco de milho, silagem pras vacas. Sou retireiro de leite. Nas hortaliças, legumes, temperos verdes, frutas, vou variando, divido em lotes, conforme vai dar preço ou não.

CC: Há quantos anos e em que área?

PPS: Desde que meu pai morreu. Eu tinha 16 anos. Minha mãe se casou de novo, mudou pra cidade com o novo marido, e ficamos nestes 12 hectares eu e três irmãos mais novos, uma menina.

CC: Todos ainda trabalham aqui?

PPS: Um dos irmãos foi estudar em Sorocaba. Está se formando médico. Os outros plantam comigo, inclusive um cunhado, casado com a Ana.

CC: Então, não precisa de meeiro, empregados, nada?

PPS: Não, senhor.

CC: Como usa e compra os insumos, sementes, adubos, os demais? Algum apoio técnico?

PPS: (risos) Acho que já deu tempo de aprender. Se fosse esperar, ninguém apareceria. Compro de uma loja na cidade. Tá muito caro, mas tem que por.

CC: Usa financiamento bancário?

PPS: Quase sempre. Deixo terra e um pequeno trator em garantia. Sempre consegui pagar.

CC: E pra vender a produção?

PPS: Intermediários que já me conhecem. Depois vendem no Ceagesp, Ceasa de Campinas, supermercados, por aí.

CC: Ganham muito?

PPS: No mínimo, o triplo.

CC: E pro consumidor final?

PPS: Loucura.

CC: Dá pra toda a família ganhar, sobreviver?

PPS: Num sei. Tamos aqui. Com ajuda de Deus, vamos levando.

CC: Católicos?

PPS: Eu sim. Os irmãos, evangélicos.

CC: Já pensou em vender a terra e abandonar a agricultura?

PPS: Tá louco, sô? E fazer o quê?

CC: Pode revelar em quem votou em 2018?

PPS: Bolsonaro, todos me diziam que ele iria acabar com a crise.

CC: Sei, obrigado pela entrevista Pedro Paulo.

PPS: Nada, não. Pera aí. O doutor aprecia uma cachacinha? Tenho aqui um pequeno alambique. Quer provar?

CC: Claro.

PPS: Enquanto bebericamos, Rosa, minha mulher, pega umas verduras pro senhor levar. Tudo fresquinho.

E assim, depois de três horas, frango ensopado, arroz, e salada jantados, a reportagem de CartaCapital, sai de lá cambaleante.

Inté, pessoal, agricultor brasileiro.

 

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