Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Uma paixão

Ainda bem que uma terceira paixão, além da banca de jornal e da loja de disco, sobreviveu nesse mundo sideral, até quando não sei: a livraria

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Ando meio angustiado porque tinha duas grandes paixões na vida: banca de jornal e loja de disco. Ainda bem que elas despareceram nos meus mais de setenta anos. Fico imaginando se isso tivesse acontecido no auge dos meus dezoito, vinte anos, quando parava durante horas diante uma banca e passava todos os dias por uma loja de discos no centro da cidade.

Ainda bem que uma terceira paixão – na verdade, tenho várias na vida – sobreviveu nesse mundo sideral, até quando não sei: a livraria.

Apesar de uma grande ter decretado falência esta semana em São Paulo, várias surgiram nos últimos tempos, pequenas, charmosas, aconchegantes. Vou citar apenas duas: a Livraria da Tarde, em Pinheiros e a Cabeceira, aqui na Lapa, onde moro.

Revistas que comprei nos últimos cinquenta anos sobrevivem em um cômodo reservado a elas aqui na minha casa. Encadernadas, algumas bem amareladas, mas vivas: Realidade, Bondinho, Senhor, Planeta, Joaquim, além daquelas que sobreviveram a sete mares e chegaram até aqui, depois do meu exílio: Ulysse, Actuel, Magazine Littéraire, Geo, Le Fou Parle, Le Sauvage, L’Histoire.

Discos, em vinil ou em compact-disc (era assim que se dizia), cobrem algumas paredes do meu escritório, sei lá se museu ou coisa parecida.

Sim, estão aqui os vinis brancos de Yoko Ono, o Exile on Main Street, dos Rolling Stones, o Ram, de Paul MCartney, o Weasels Ripped My Fllesh, do Mothers of Invention. Não vou citar outros gringos por motivo de segurança.

Estão aqui ao meu lado o primeiro disco de Tom Zé, onde ele brada: não se morre mais, cambada! E o primeiro de Walter Franco, onde ele pergunta: o que é que você tem nessa cabeça, irmão?

Tenho discos de Tim, Tom e os Miltons, mas deixa isso pra lá.

Quero falar dos livros e das livrarias, o prazer que o mundo moderno ainda não me tirou. Tenho ido menos a livrarias, mas quando vou, fico louco. Ontem mesmo fui a uma e queria comprar tudo. Os dois volumes de Proust, a biografia de Fernando Pessoa, o Dicionário Drummond, o 2222 sobre o disco do Gil, as novas edições de Dostoievsky, era tanta coisa que saí apenas com o didático livro sobre biografias do Ruy Castro, esperando o cartão virar.

Muitos amigos dizem que reciclam livros, que todo fim de ano enchem um caixote e passa pra frente, não acumulam. Como vou me desfazer dos livros de Gabriel García Márquez? Como vou me desfazer dos latino-americanos? Ernesto Sábato, Carlos Fuentes, Manuel Puig, Julio Cortázar, Jorge Luiz Borges, Vargas Llosa, Eduardo Galeano, Juan Rulfo, Augusto Roa Bastos e tantos outros?

Sei que não tenho mais espaço neste apartamento, mas sempre arranjo um cantinho para colocar mais um livro.

Andaram dizendo que o e-book ia acabar com o livro de papel. Ainda bem que ficou na conversa. Não, não sou daqueles que dizem que gostam do cheiro do livro. Não faço questão. Faço questão das coisas que estão escritas neles.

Como faço questão, de tempos em tempos, folhear uma Bondinho, como faço questão de colocar na vitrola o vinil branco da Yoko Ono, quando estou sozinho em casa.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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