Brian Mier

Opinião

Uma escolha muito fácil

A linha está traçada. Em quem você vai votar, em um nacionalista ou em um entreguista?

É só pensar um pouco no próximo
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Mudei-me para o Rio de Janeiro em 1991, durante a crise inflacionária, quando Fernando Collor era o presidente. Havia muita pobreza em Chicago, minha terra natal, mas eu me lembro o quanto fiquei chocado e triste ao ver famílias inteiras dormindo em caixas de papelão em Copacabana. Eu me lembro de que havia gangues de adolescentes nas ruas e os moradores de Copacabana tomavam táxi para atravessar um ou dois quarteirões após as 7 da noite, com medo de serem assaltados, algo que aconteceu comigo. Fui assaltado cinco vezes durante os meus primeiros seis meses lá. Em 1992, quando me mudei para São Luís do Maranhão, presenciei pobreza e fome em primeira mão e numa escala bem maior. Naqueles tempos, apenas 60% das crianças estavam na escola. Eu estranhei me sentir um gigante ao andar, pela primeira vez, na Rua Grande, no Centro de São Luís, apesar de ter apenas 1,82 metro de altura. Naquela época, as elites do Sudeste e seus conglomerados midiáticos, como o Grupo Globo, costumavam veicular piadas a respeito da altura dos nordestinos, mas não se tratava de uma questão genética. Era resultado da fome.

Nas três décadas seguintes, desde que imigrei para o Brasil, presenciei muitas coisas melhorarem. Até que em 2015, sob a orientação do Departamento de Justiça dos EUA, o juiz Sergio Moro tentou destruir a estratégia brasileira de desenvolvimento ao paralisar suas principais empresas, inclusive cinco das maiores companhias de construção civil do País. Ao se recusar a tratar as principais empresas como “muito grandes para deixar falir” (too big to fail), como de fato ocorre nos Estados Unidos e Europa, Moro causou o desemprego de 4,4 milhões de brasileiros.

O Estado de Direito e a economia brasileira deterioraram bastante desde 2015. O Brasil caiu do posto de sexta maior economia do mundo para a 12ª. Agora o ­País, que havia saído do Mapa Mundial da Fome da ONU em 2014, atravessa uma situação catastrófica, na qual apenas 23% de suas crianças comem três refeições diárias. Muitos dos avanços alcançados estão desaparecendo rapidamente sob o programa de austeridade apoiado pelos Estados Unidos, que começou com o golpe em 2016 e representa uma transferência massiva de riquezas das mãos das classes trabalhadoras para as corporações e multinacionais. A situação é desoladora, mas seria intelectualmente desonesto fingir que isso é a pior coisa que aconteceu ao Brasil. As coisas ainda podem ficar muito piores e a divisão da sociedade, inflamada pela direita, e os monopólios norte-americanos das mídias sociais, que lucram ao estimular o desentendimento, não resolvem nenhum dos problemas.

BRIAN MIER:É escritor e geógrafo, mora no Brasil há 21 anos. É ex-dirigente do Fórum Nacional de Reforma Urbana. Morou em São Luís, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e, atualmente, vive na periferia de São Paulo. Autor de Os Megaeventos Esportivos na Cidade do Rio de Janeiro e o Direito à Cidade.

Em meu país natal, as mídias sociais e as corporações como a Fox e a MSNBC transformaram quase toda questão em uma batalha contraproducente e ideológica que acaba com casamentos, amizades e famílias, enquanto bilionários como Jeff Bezos, proprietário da Amazon, riem no caminho para o banco. Os cidadãos aplaudem questões políticas como o direito ao aborto ou o controle de armas como se estivessem torcendo para seus times de futebol. Como torcedores, são rápidos para desconsiderar quaisquer falhas do seu próprio lado. Nenhuma questão ilustra isso melhor do que a série ridícula dos debates negacionistas nos EUA sobre a Covid-19, muitos dos quais sagraram e envenenaram as mentes no Brasil, o segundo pior país em termos de mortes causadas pelo vírus.

Em The Dawn Of Everything (O ­Alvorecer de Tudo, em tradução livre), David Wengrow e o falecido ­David ­Graeber utilizam o conceito de cismogênese – um processo pelo qual grupos se autodefinem por recusas mútuas a adotar a maneira do outro, independentemente de o quanto faça sentido lógico ou não – como metáfora para os tempos modernos. É uma boa explicação do processo que leva os indivíduos a votarem contra seus próprios interesses, como no caso de brasileiros da classe trabalhadora, que escolhem políticos que excluem seus direitos trabalhistas e cortam os orçamentos públicos de saúde e educação.

O mundo, inclusive o movimento liderado por Steve Bannon, estará voltado para o Brasil em 2022. Se a divisão, que empesteia a nossa sociedade por meio dos aplicativos de mídia social dos EUA, ainda não foi extinta, não deverá diminuir no próximo ano. Contudo, eu gostaria de abordar essa polarização e sugerir uma nova dicotomia para ajudar a enquadrar as próximas eleições presidenciais. Em vez de categorizar candidatos como “cidadãos de bem” versus “comunistas” – a estratégia usada com êxito por João Doria, Wilson Witzel e Jair Bolsonaro em 2018, vamos dividi-los em “nacionalistas” e “entreguistas”.

OS POPULISTAS DE DIREITA COMO STEVE BANNON VÃO TENTAR, OUTRA VEZ, INTERFERIR NO PROCESSO ELEITORAL DO BRASIL

Os nacionalistas defendem a soberania do Brasil perante os interesses estrangeiros e relações de multipolaridade em vez de bilaterais com nações imperialistas e predatórias como Estados Unidos, Canadá ou Alemanha. Os entreguistas são aqueles que, geralmente atrás de uma cortina de fumaça da ortodoxia econômica liberal, promovem crescente acesso estrangeiro aos recursos brasileiros e relações bilaterais com nações predatórias. Essas não são categorias mutuamente excludentes. Alguns políticos nacionalistas adotaram um comportamento entreguista e vice-versa periodicamente, mas é fácil usar esses termos para comentar de modo genérico as lideranças políticas brasileiras.

Michel Temer atuou como entreguista quando colocou em leilão as reservas de petróleo para corporações do setor privado­ do Norte imperialista. Apesar de sua retórica “patriótica”, Bolsonaro demonstrou ser o mais entreguista dos líderes na história brasileira moderna. O caso de Bolsonaro é emblemático, porque mostra que a dicotomia nacionalista/entreguista não está necessariamente ligada ao espectro político esquerda/direita. Do mesmo modo que Bolsonaro, Eneas Carneiro tinha simpatias fascistoides, era explicitamente homofóbico e amado por integralistas. Alguém acredita que, se Eneas tivesse sido eleito presidente, ele teria entregado a base de foguetes de Alcântara aos norte-americanos?

Um exemplo de um político moderadamente conservador e nacionalista seria o ex-vice-presidente José Alencar. Por sua vez, Fernando Henrique Cardoso é um exemplo de líder que faz seu nome na academia como um nacionalista até afirmar “esqueçam tudo o que escrevi”, depois de assumir a Presidência e se transformar politicamente em um entreguista.

Parece bastante fácil usar essas categorias para descrever os candidatos potenciais das próximas eleições. Bolsonaro é claramente entreguista. Não apenas tem uma relação acolhedora com os militares norte-americanos, mas por meio de suas manobras econômicas, tais como vender a maior cadeia de postos de combustível para o fundo BlackRock.

Moro levou a Odebrecht e outras empreiteiras à bancarrota

O entreguista Moro trabalhou muito próximo ao Departamento de Justiça dos EUA para destruir a Petrobras e os maiores competidores de firmas de engenharia como a Halliburton, politicamente conectada com os EUA, em vez de tratá-las como “muito grandes para deixar falir”. Ao trabalhar em parceria com o Departamento de Justiça, infringiu a lei brasileira para ajudar a colocar o presidente mais entreguista de todos os tempos no poder, então, em um caso claro de conflito de interesses, aceitou um cargo no governo entreguista.

No governo Sarney, João Doria fazia marketing do Brasil como um destino para turismo sexual, entregando seus próprios cidadãos nas mãos imundas de imperialistas machistas. Quando foi prefeito de São Paulo, tentou privatizar tudo, até o Parque do Ibirapuera. É claro que, sob seu governo, vai continuar a abertura do Brasil pós-2016 à exploração estrangeira parasitária de recursos naturais às expensas de sua própria população.

Lula demonstrou que é um nacionalista em suas ações como presidente, inclusive ao ser contra a Alca, criar os BRICS, recusar a entrar na Guerra do Iraque com Bush, e ao priorizar ações multipolares, em vez de bilaterais, com potências imperialistas. Ciro Gomes concorre com uma plataforma de nacionalismo, incluindo promessas de renacionalizar a Petrobras. Embora tenha mudado cinco vezes de partido político – um sinal alarmante de oportunismo – sua campanha promete ser consistente com ações e posições tomadas durante sua longa carreira como político.

Então a linha está traçada. Em quem você vai votar, em um nacionalista ou em um entreguista? •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1189 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: WAGNER MÉIER/GETTY IMAGES/AFP – NELSON ALMEIDA/AFP E LULA MARQUES/PT NA CÂMARA

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