Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Uma carta a João Pedro

‘A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado nesse país. Desculpe, João. Não sei mais o que dizer. Te abraço’

(Foto: Reprodução/Twitter)
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Belo Horizonte, 19 de maio de 2020

Querido João Pedro,

Lamento escrever nessas circunstâncias. Não era essa carta que eu gostaria de enviar para você.

De sonhar, entendo bem. Quando tinha sua idade, sonhava em ser professora, escrever e fazer palestras. Com muita dificuldade, consegui alcançar todos os meus sonhos. Me sinto realizada. Desse modo, queria ter a oportunidade de escrever uma carta lhe parabenizando pelas suas conquistas.

Fico pensando: quais eram os seus sonhos? Ser engenheiro, jogador de futebol, professor, arquiteto, músico? Em entrevista, seu pai disse que você tinha um futuro brilhante pela frente. Não tenho dúvidas quanto a isso.

 

Infelizmente, tudo ficou pelo caminho. Na noite da segunda-feira 18, dando continuidade à política de extermínio, policiais mataram seus sonhos, destruíram sua família. Roubaram um talento do nosso país. Perdemos todos.

Assim tem sido com os jovens que cometem o “crime” de nascer preto e pobre. Em corpos como o seu, as “balas perdidas” encontram alvo certo. Nos “confrontos”, os tiros sempre atingem a nuca, a cabeça e as costas de quem morre. A isso damos o nome de execução, genocídio, necropolítica. Ainda não encontrei nenhuma declaração do governador Wilson Witzel, defensor dessa barbárie. É bem provável que ele enviará uma nota dizendo que “as ações dos policiais serão apuradas”. Ainda na nota, prestará “condolências” à sua família, o que aumenta ainda mais a minha indignação.

Penso na sua mãe. Imagino a dor dela. Só posso imaginar… A minha sempre diz que quando uma mulher perde um filho, parte dela se vai também. Hoje ela se junta a milhões de mães negras que choram a morte dos filhos assassinados pela polícia. A maioria segue sem respostas, sem qualquer indenização por parte do Estado. As pessoas não sabem, não fazem ideia do que significa ser negro no Brasil.

Outro dia foi a Ágatha Félix, agora você…Quem será o próximo? Enquanto escrevo essa carta, quantos já terão morrido? Quantos sonhos foram interrompidos? A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado nesse país. Desculpe, João. Não sei mais o que dizer. Te abraço.

Com carinho e alguma esperança de justiça.

Luana Tolentino

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