

Opinião
Uma bomba em Brasília e o vazio das lideranças
Enquanto sociedade, precisamos decidir: permitiremos que o terrorismo político destrua nossa democracia ou lutaremos, com todas as forças, para preservá-la?


Na noite de 13 de novembro, um homem explodiu na Praça dos Três Poderes, em frente ao Supremo Tribunal Federal, sacrificando a própria vida e expondo a frágil estabilidade democrática brasileira. Francisco Wanderley Luiz, ex-candidato pelo Partido Liberal (PL), representa mais do que um ato individual: sua ação reflete a radicalização de uma sociedade alimentada por discursos inflamados e divisivos, respaldados, ainda que indiretamente, pela falta de condenação enfática de seus líderes.
No dia seguinte, o ex-presidente Jair Bolsonaro lamentou o episódio, classificando-o como um “triste episódio” e um “fato isolado”. Em nota, defendeu que a violência deve levar à “reflexão” e apontou o “diálogo” como caminho para a democracia. Essas palavras, porém, soam vazias diante de um extremismo que foi, em grande parte, normalizado por anos de discursos que flertaram com o ódio e a hostilidade contra as instituições democráticas. Repúdios tardios não bastam para conter a espiral de radicalização que tomou o País.
O atentado também expõe falhas graves no sistema de inteligência, que por anos pareceu mais preocupado em monitorar ativistas e movimentos sociais do que em identificar e neutralizar ameaças reais à segurança nacional. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), marcada por denúncias de instrumentalização política durante o governo Bolsonaro, não conseguiu interceptar uma ação amplamente anunciada pelo autor em mensagens no WhatsApp. É inadmissível que uma estrutura com capacidade para monitorar cidadãos comuns falhe em prevenir um ataque terrorista dessa magnitude.
Este episódio simboliza algo maior: a legitimação do extremismo como ferramenta de ação política. O autor do atentado não era um desconhecido sem filiação; era um político, ainda que de pequena expressão. Sua trajetória e o ataque ao STF evidenciam a inspiração direta em discursos que, mesmo velados, alimentam a ideia de que as instituições são inimigas a serem destruídas.
Vestido como o Coringa e carregando um guarda-chuva que parecia saído das mãos do Pinguim, o homem-bomba encenou um episódio mais perverso do que qualquer trama de quadrinhos poderia imaginar. Ele tentou explodir a estátua da Justiça, mas falhou. Naquele dia, a democracia brasileira foi atacada sem super-heróis ou aparatos mirabolantes para conter o avanço do bolsonarismo. Com esse ato, uma nova era foi inaugurada: a dos homens-bomba e dos ataques terroristas como ferramentas políticas no Brasil.
A bomba que explodiu no STF não simboliza apenas a ação de um indivíduo “perturbado” – termo usado por Bolsonaro. Representa o resultado de anos em que líderes políticos permitiram que o ódio crescesse dia após dia. Discursos de união e paz surgem apenas após tragédias, reforçando que o silêncio e a inação são cúmplices da violência, abrindo caminho para atos cada vez mais extremos no espaço público.
Enquanto ministros eram retirados às pressas do STF, uma pergunta pairava no ar: como chegamos aqui? A resposta está na combinação de discursos inflamados, omissões estratégicas e na crescente normalização de atos de violência política. Desde os assassinatos de opositores ideológicos, como o brutal caso de Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu, até o ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, assistimos à consolidação de uma agenda de terror que se alimenta da desinformação e da polarização extremada. Nem mesmo a explosão de um político bolsonarista, ex-candidato a vereador pelo PL, conseguiu interromper a votação da isenção tributária para igrejas. Isso é revelador: nada parece deter a direita.
A internet e a violência política transformaram-se em uma fábrica de homens-bomba. O 8 de janeiro foi a amostra mais emblemática dessa engrenagem. Grupos organizados trabalham contra a estabilidade do regime democrático, o que exige investigação séria, inclusive no âmbito das plataformas digitais que alimentam a radicalização. Este atentado também traz à tona reflexões sobre o “exército civil” de CACs no Brasil, a facilidade de acesso a fogos de artifício convertidos em explosivos e a banalização do uso de materiais bélicos. Para os progressistas, é urgente construir uma agenda sólida que enfrente esses desafios com prioridade.
A explosão em Brasília não foi apenas uma destruição física. Foi um golpe simbólico contra a estabilidade democrática. A negligência diante de episódios anteriores, como o caso de 8 de janeiro, deu ao extremismo o espaço necessário para se reorganizar. A resposta do Estado brasileiro precisa ser firme e transparente. Não podemos aceitar que a radicalização domine nossas praças e instituições. A reconstrução da confiança nas instituições de inteligência e segurança deve ser prioridade, assim como a responsabilização de lideranças coniventes com o extremismo.
A história cobrará caro por cada ato de omissão. Quantas explosões mais serão necessárias para que o compromisso com a paz e o respeito às instituições se tornem reais, e não apenas palavras jogadas ao vento? Enquanto sociedade, precisamos decidir: permitiremos que o terrorismo político destrua nossa democracia ou lutaremos, com todas as forças, para preservá-la?
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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