Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

Um recado à CPI das Fake News sobre os inimigos da verdade

Bolsonaro é um fenômeno que brotou nas redes sociais sobre um terreno fértil semeado por inúmeros influenciadores ao longo de anos

Foto: Reprodução
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A CPI das Fake News, que tramita atualmente no Senado, investiga a propagação da desinformação no processo eleitoral e como enfrentá-la. Terça-feira, questionaram Allan dos Santos, o responsável pelo site e canal no YouTube Terça Livre, suspeito de ser financiado diretamente por Eduardo Bolsonaro em sua nova vida em Brasília como um dos líderes das milícias virtuais bolsonaristas.

No entanto, já questiono a ineficácia da oposição em:

1 – compreender o fenômeno das fake news, e;

2 – lidar com os tentáculos da desinformação dentro do governo.

Boa parte da esquerda brasileira ainda não entendeu o que aconteceu nestas últimas eleições e as engrenagens que levaram Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.

Então vamos recapitular.

Bolsonaro é um fenômeno que brotou nas redes sociais sobre um terreno fértil semeado por inúmeros influenciadores ao longo de anos. Embora Bolsonaro tenha começado a surgir com certa força no debate político de 2016 em diante e só ser levado a sério como um forte candidato à presidência em meados de 2018, todo o cenário para a ascensão desta retórica extremista de direita já estava preparado.

Olavo de Carvalho já dava suas aulas online e havia criado levas e mais levas de discípulos, alunos e seguidores curiosos. Se enumerarmos alguns aqui perceberemos o estrago que foi feito: Kim Kataguiri, Alexandre Frota, Felipe Moura Brasil, Nando Moura, Lobão, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Joice Hasselmann, Bia Kicis, Felipe G. Martins, o próprio Allan dos Santos, Carlos e Eduardo Bolsonaro, Abraham e Arthur Weintraub, entre vários outros que hoje ocupam cargos no governo Bolsonaro, que foram eleitos parlamentares ou atuam na mídia.

Vários destes caíram no desagrado do guru, que atua de fato com um modus operandi de seita de fanáticos e, tal qual um líder incontestável, não perdoa dissidentes. Inclusive, muitos dos que estão agora dando com a língua nos dentes conhecem muito bem os procedimentos olavistas.

Olavo de Carvalho em mais uma aula via Youtube. Discurso cristão e conservador do presente não corresponde a atitudes do passado (Foto: Reprodução)

Bolsonaro floresceu num ambiente ideológico em parte cultivado por Olavo e seus discípulos, em parte decorrente da sanha revanchista do antipetismo e lavajatismo. Somando-se a isto uma profunda crise política e econômica, a facilidade de acesso às redes sociais e uma população tremendamente insatisfeita, tínhamos diante de nós uma tempestade perfeita.

Sendo assim, as fake news fornecerem a argamassa para disseminar o medo e o ódio dos brasileiros, mesmo quando estas notícias falsas eram completamente absurdas e inverossímeis. A crescente polarização política não foi um acidente, foi um projeto e que favoreceu ainda mais as mentiras propagadas.

No fundo, não importava se era verdade ou mentira, as pessoas queriam simplesmente acreditar porque isto dava um pouco de ordem e estabilidade ao mundo caótico ao seu redor, ao mesmo tempo em que despontava alguém que prometia restaurar tal ordem, um outsider, um político que se vendia como antissistêmico.

Portanto, repito, a ascensão de Bolsonaro e da extrema-direita pertence a um projeto de desconexão da interpretação do mundo de seus respectivos fatos, e de uma eventual reconstrução a partir da criação de uma constelação de inimigos imaginários à espreita para destruírem o Brasil e seus supostos valores tradicionais. Possivelmente este projeto não visava exatamente o surgimento de uma figura despreparada como Bolsonaro, mas, sem dúvida alguma, abriu caminho para tal.

A desinformação, ou as fake news, não é uma anomalia neste momento, mas é o fundamental para este novo mundo no qual já não sabemos navegar entre verdade e mentira.

A CPI das Fake News será ineficaz porque seus integrantes parecem ter dificuldades para constatar a simbiose entre esta ruptura política simbolizada pelo governo Bolsonaro e a mentira, pois, sem elas, ele sequer teria sido eleito ou despontaria como uma promessa de transformação/renovação política. E outro limite também é como trabalharemos com as zonas limítrofes entre interpretação da realidade e fatos, entre equívoco e mentira, entre jornalismo sério — enquanto uma atividade que se dá em tempo real e maneira fragmentária — e um pseudojornalismo malicioso que distorce tudo que toca.

É evidente que o esforço para combater a desinformação é louvável, porém, sem o confronto ao substrato ideológico que justifica o uso da desinformação como arma de combate político, com um grave potencial corrosivo numa sociedade democrática, qualquer judicialização ou criminalização da prática será bastante ineficaz. Será uma tentativa de minimizar os sintomas sem jamais confrontar suas causas.

O câncer que está matando o debate político brasileiro é, em sua essência, ideológico e parte de uma estratégia de que tudo é permitido para destruir seu inimigo. Eles pensam estar travando uma guerra cultural e, nesta guerra, vale tudo: a suspensão de comportamentos éticos, o desprezo a valores religiosos que eles alegam defender e, acima de tudo, uma rejeição da verdade. Os que se arrogam defensores da verdade são, em essência, seus maiores inimigos.

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