Opinião

Um País sem memória, as últimas melhor não tê-las

‘Para desesperar esperem um pouco. Irá piorar’, escreve Rui Daher

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Trago duas frases não minhas, mas que refletem pensamento e opinião carregados pela vida. As duas têm a ver de como se processa a memória neste rincão brasileiro. Apesar de que sempre tivemos e ainda temos ótimos historiadores.

A primeira é do inesquecível jornalista e escritor Ivan Lessa (1935-2012). Dizia ele: “a cada 15 anos, o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos”.

Vale dizer, então, que se mal lembramos o dia de ontem, nada restará a lembrar 35 anos atrás, quando entre tropeços, soluços e algumas vitórias, em forma atabalhoada, reconquistamos a democracia.

Memoriol®

Poderia ser também memorial, tantos por aí a homenagear dignificantes ou não personalidades. Corremos, pois, o risco de o Regente Insano Primeiro (RIP) construir um para certo Diamante Ultra, herói da tortura.

Quando jovem, estudante, antes de exames, provas orais, testes de múltipla escolha, vestibulares, médicos e familiares nos indicavam o suplemento vitamínico de nome indutivo. Apesar de ser coisa de mais de 50 anos atrás, dele não esqueci. Usava. Mas em porra nenhuma me lembrava de porra nenhuma. Em tudo passava arranhando, Macunaíma eu.

Hoje em dia, existem outras indicações para melhorar a memória. Ginseng coreano, Gingko Biloba japonês, e mesmo moléculas sintéticas como donepezil, rivastigmina, inúmeras mais.

As últimas, já que preciso enganchar-me aos agronegócios, são como herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas, com licença e admiração pelas Cidas urbanas e rurais.

Matéria em O Globo, de Cássia Almeida, em 06/04/2021, relata: “Fome cresce e, pela 1ª vez em 17 anos, mais da metade da população não tem garantia de comida na mesa (…) são mais de 116 milhões de brasileiros nessa situação”.

Ah são? Não duvido e tento, do meu modesto jeito, atenuar a ação de RIP-Guedes. Se alguém assistiu à matéria sobre as pessoas, na madrugada, noites outonais mais frias, dormindo nas calçadas em frente às agências da Caixa Econômica Federal para receber chorado (por ambos os lados) mísera ajuda emergencial, saberá de minha angústia.

Privilegiado, apenas pela idade, tomei nesta semana a segunda dose da vacina do Butantã. Não virei jacaré ou espião chinês. Preferiria. Assim saberia eu errado e RIP correto.

Claro, como atenuante, que na verdade não é, o “presidente e o Posto Ipiranga” dão à pandemia toda a culpa. Mentira, por longevidade da crise econômica. Ainda que fosse, quem se não o facínora agiu contra a vacinação desde o início? Quem recusou 70 milhões de doses da Pfizer, em agosto de 2020, pois queria que a farmacêutica garantisse não existir efeitos colaterais? Qual laboratório faz isso com qualquer fármaco? Quem gastou milhões de reais na produção de cloroquina? A ideia era incentivar e impedir uma epidemia de malária?

Bestas quadradas.

Caso é: a fome aguda grassa em todos os recantos do país. Cada vez maior o número daqueles que comem por solidariedade de outros segmentos, mais abastados ou não da população.

Agradeçam. Em situações assim, esmolas, venham de onde vier, serão bem-vindas. Fome se reconhece em guerras. Estamos numa? Invadimos ou fomos invadidos por outra nação ou povos alienígenas?

Não. Nosso inimigo é intestino, fonte de aparelho digestivo descontrolado e fedorento.

Se temos metade de nossa população passando fome, saibam que, segundo a CONAB, Companhia Nacional de Abastecimento, a safra 2020/21 foi recorde.

Apesar de adversidades climáticas em algumas regiões, a produção de grãos crescerá cerca de 5% sobre a safra anterior. Chegará a mais de 272 milhões de toneladas. Produção, à base de produtividade (toneladas por hectare), suficiente para manter o programa de exportações e alimentar o mercado interno.

Cafezinho, gostam? Quase 50 milhões de sacas de 60 kg beneficiadas. Ótimo desempenho. Lácteos, pãezinhos de trigo, razoáveis, embora a indústria e o comércio que os servem aproveitem a ocasião pandêmica para repassar margens abusivas e compensar a queda de demanda do último ano.

O mesmo acontece com o complexo de carnes. Repasses, como em outras commodities de exportações, resultados de cotações internacionais, emuladas por política cambial. Quem iria resistir tal céu de brigadeiro?

Dá em inflação nos preços dos alimentos, população sem poder aquisitivo nem mesmo para o básico, e costumeiros para a pequena análise das convencionais folhas e telas cotidianas da mediocridade analítica.

Para desesperar esperem um pouco. Irá piorar.

Camisinhas

“Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre”. Plínio Marcos (1935-1999).

Na próxima coluna. Inté!

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