

Opinião
Um novo ciclo
A gestão de Nísia Trindade deixou um legado robusto na saúde pública. Agora, Alexandre Padilha assume o desafio de avançar ainda mais no fortalecimento do SUS


A nomeação de Nísia Trindade como ministra da Saúde em janeiro de 2023 não foi apenas histórica por ela ser a primeira mulher a ocupar o cargo. Foi, sobretudo, estratégica. Em um país combalido pela pandemia de Covid–19 e por graves desmontes na política de saúde, sua escolha simbolizou um resgate da ciência, da competência técnica e do compromisso com o SUS.
Nísia assumiu o ministério em um cenário devastador. Havia queda na cobertura vacinal; desabastecimento de insumos; paralisação de obras; fragilização da atenção básica e de outras políticas estratégicas; e diminuição da capacidade de coordenação do SUS e de dar respostas a emergências sanitárias.
Em pouco mais de dois anos, ela reverteu esse quadro com medidas estruturantes, muitas vezes silenciosas, mas de profundo impacto.
Entre as ações mais notáveis está a reconstrução do Programa Nacional de Imunizações (PNI), com a retomada da confiança nas vacinas e nas campanhas. A vacinação voltou a ser prioridade de Estado e as coberturas reagiram positivamente.
A ministra também liderou a reintegração do Brasil ao cenário internacional da saúde, recuperando a imagem do país junto à OMS e demais organismos multilaterais. Promoveu a revalorização do Conselho Nacional de Saúde e da Comissão Tripartite e garantiu a participação social como eixo estruturante da gestão.
No campo da infraestrutura, retomou mais de mil obras paralisadas, incluindo UBS, UPA e maternidades. Reativou e aperfeiçoou o Mais Médicos, retomou políticas para o Complexo Econômico Industrial da Saúde e apostou na transformação digital.
Com o novo PAC da saúde, Nísia garantiu 8,9 bilhões de reais em investimentos, com destaque para a expansão da rede do SUS e a produção nacional de medicamentos, vacinas e equipamentos estratégicos — passo fundamental para reduzir a dependência do Brasil em insumos críticos.
Também se destacou na defesa de políticas de saúde pública corajosas, como a inclusão dos ultraprocessados e refrigerantes no imposto seletivo, em sintonia com experiências internacionais de combate à obesidade e doenças crônicas. A aprovação da taxação, apesar das pressões da indústria, simboliza a força de um projeto comprometido com o bem-estar da população.
Ao entregar o cargo, Nísia deixa o SUS mais fortalecido, com mais investimentos e maior integração entre União, estados e municípios. E, talvez o mais importante, com a saúde pública de volta ao centro do debate político e social.
Agora, cabe a Alexandre Padilha dar continuidade a esse trabalho. Médico infectologista, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Saúde de São Paulo e profundo conhecedor das engrenagens do SUS, Padilha retorna ao ministério em um momento decisivo.
Seu principal desafio, por ele mesmo indicado como uma “obsessão”, será a implementação da Política Nacional de Atenção Especializada, iniciada pela antecessora, garantindo mais acesso e a diminuição do tempo de espera para cirurgias, consultas e exames especializados.
Para tanto, será fundamental combinar oferta qualificada de serviços, mudança no modelo de remuneração, pactuação federativa, saúde digital e valorização da atenção primária.
Outro ponto crucial é a redução das iniquidades regionais. Ampliar o acesso, em especial da atenção especializada em regiões historicamente negligenciadas, deve ser prioridade, garantindo o diagnóstico e tratamento do câncer e o cuidado à saúde mental, por exemplo.
A consolidação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde será essencial para garantir soberania nacional na produção de medicamentos, vacinas e insumos. A indução à produção local, por meio do poder de compra do SUS, precisa ser acelerada e institucionalizada como política de Estado.
Além disso, será necessário avançar na regulação dos planos de saúde, garantindo integralidade do cuidado e a defesa dos direitos dos usuários.
Padilha também encontrará o desafio permanente da comunicação em saúde. Em tempos de desinformação e negacionismo, é fundamental que o ministério atue com transparência, clareza e capacidade de mobilização social.
O SUS é o maior patrimônio social do povo brasileiro. Sua existência é garantia de dignidade, equidade e cidadania. Com Nísia Trindade, ele voltou a ser prioridade. Com Alexandre Padilha, dará novos saltos.
Desejo boas-vindas ao novo ministro com a certeza de que, com diálogo, competência e compromisso com a defesa da vida, seguiremos avançando na construção de um SUS cada vez mais justo e eficiente. •
Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um novo ciclo ‘
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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