Opinião

Um governo mau irá estimular o mal

‘Infelizmente, assistimos à confirmação desse axioma na atualidade brasileira. O pior do País vem à tona, como escumalha’, diz Milton Rondó

Foto: Andre Coelho / AFP Foto: Andre Coelho / AFP
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“Quando tratamos o próximo tal como ele merece, o tornamos ainda pior; quando o tratamos como se ele fosse o que desejamos, nós o melhoramos.”
Goethe.

Um governo mau irá estimular o mal; um bom, o bem.

Infelizmente, assistimos à confirmação desse axioma na atualidade brasileira. O pior do País vem à tona, como escumalha.

Pior, no âmbito internacional, a situação tampouco é das mais favoráveis. Para dar um exemplo, os gastos militares cresceram no ano passado de forma inaudita, em meio à pandemia. Recursos que deveriam ter sido dirigidos à garantia dos direitos humanos das populações, inclusive à alimentação, foram desviados da vida para a morte, em volume nunca dantes visto na história.

Como informa a agência do Vaticano, Vatican News, os gastos militares foram recordes em 2020, segundo os dados compilados pelo Instituto Internacional de Pesquisas sobre a Paz, de Estocolmo. Mais triste ainda, o continente com o maior aumento percentual foi a África. Os Estados Unidos da América foram responsáveis por mais de um terço dos gastos globais.

Em contraposição, a riqueza mundial diminuiu mais de 4 pontos percentuais, como notaram aquele instituto e aquela agência vaticana.

Entre os cinco maiores orçamentos militares, estão dois países que provavelmente promoveram o golpe de 2016 no Brasil: EUA e Reino Unido. Aos cinco maiores, seguem Arábia Saudita (uma ditadura sanguinária) e a Itália, cuja incúria, mais de uma vez, não impediu a morte de imigrantes em sua costa, embora, historicamente, tenha sido país de emigração.

Podemos falar em racionalidade quando o ser humano opta pela morte coletiva, ao invés da vida? E “vida em plenitude”, como bem a adjetivara João, o discípulo que Jesus amava.

A propósito, um grande sacerdote italiano, Andrea Gallo, em Não exterminem o futuro dos jovens, volume editado pelos Editores Dalai, recomenda: “Resistência. Se te rendes ao poder estás liquidado. Se alguém, no entanto, busca sua dignidade, seu relacionamento com os demais, em sinergia, como se diz usualmente, então cresce, matura em medida humana.”

A resistência ao mal parece ser a razão pela qual as armas são cada vez mais volumosas. Os maus sabem que serão resistidos, pois é da própria natureza do bem buscar sua realização, nos planos material, cultural e espiritual.

Destarte, o acúmulo armamentista não parece estar divorciado da inaudita acumulação de renda e riqueza.

Dom Gallo recorda naquela obra: “Paulo VI, há mais de quarenta anos na ONU: ‘Este sistema neoliberal nos levará ao ponto em que os ricos serão cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres.’ Não se pode fugir: ou se muda o modelo de desenvolvimento ou serão dores: a ‘diminuição serena’ afundará na ‘sociedade líquida’, neologismo criado pelo sociólogo Zygmunt Bauman para definir a sociedade dos EUA sem mais postos de trabalho fixos e pontos de referência sólidos.”

Gallo aprofunda: “Mas o neoliberalismo quer ter as mãos desimpedidas, por isso tem outros dois objetivos. Primeiro: o monopólio da informação, para destruir as instâncias coletivas, o estar juntos, a solidariedade, ou seja, os sindicatos. Segundo: destruir a consciência crítica, o estar em si. Em primeiro lugar, portanto, os jovens. Por isso, a mim interessam principalmente os jovens, para deixá-los alertas. O poder é sempre mais aquele que quer chegar a ser um poder absoluto. Um poder mais coeso em uma sociedade cada vez mais fragmentada.”

Quanto aos ataques à escola, por parte do governo e do MEC, Gallo ajuda a entendê-los também: “Devemos, sobretudo, mirar e insistir, partindo da escola, no sentido de responsabilidade, da autodeterminação. Então, criam-se cidadãos que são cidadãos. É a grande passagem: de súditos a cidadãos soberanos. Agora, porém, se tende ao contrário, a fazer-nos passar de cidadãos a súditos. ‘O sistema’ tende ao poder absoluto: ab solutos, ou seja, dissoluto de…vínculos, de tudo e todos…’Somos nós e basta’. É o típico poder mafioso, a cúpula. E depois vêm as ramificações. E quem se separa paga por isso. ‘Vocês não querem? Querem aumento de salário, de hora paga? Nós fechamos a fábrica. Nós vamos onde queremos e vocês ficarão mal.”

Acrescenta Dom Gallo: “Dizia Dom Milani aos jovens: ‘Sejam soberanos.”

Além de expandir as noções de autodeterminação e soberania, trazendo-as do âmbito coletivo, político, para o pessoal, Dom Gallo também amplia a noção de prudência, muitas vezes assimilada a cumplicidade, ao dizer: “Na igreja, chamam-na prudência. E, ao contrário, é cumplicidade. Em Latim, prudens é o homem que tem talentos para governar: ‘Vir prudens’. Na igreja se diz: ‘Se és santo, continua a santificar. Se és douto, continua a ensinar. Se és prudente, governa-nos.’ A virtude da prudência é a lucidez, que é para o bem comum; o ‘vir prudens’ sabe que uma lei, para ser válida, deve tutelar o mais vulnerável porque o rico e o riquíssimo já estão muito tutelados. Então isso é vir prudens. Isso é o prudens. Essa é a prudentia.”

A beleza do conhecimento reside em iluminar, como bem perceberam os filósofos do século XVIII, adrede chamados “Iluministas”. As trevas não podem resistir à luz, estão fadadas à verdade, que as transforma em conhecimento, vida que vence a morte.

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