

Opinião
Um exemplo necessário
Ao usar o Dia Mundial da Saúde para se vacinar defronte às câmeras, Lula se engaja na campanha pela retomada da confiança dos brasileiros nos imunizantes


Desde 1950, é celebrado, em 7 de abril, o Dia Mundial da Saúde, em homenagem à criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948. A efeméride procura chamar atenção para prioridades específicas da saúde global. Este ano, a OMS elegeu como tema central “Minha saúde, meu direito”.
No contexto atual, de globalização da economia e perda de poder dos Estados nacionais, políticas sociais indispensáveis para a proteção social e defesa da vida, como é o caso da saúde, são cada vez mais precarizadas ou, simplesmente, negadas aos que mais precisam.
Sem sistemas de proteção social, os efeitos perversos são sentidos em momentos de crise, mas também o são quando a economia cresce sem absorver a maioria da população. A predominância dessa lógica produz fome, violência, sofrimento, doenças e mortes evitáveis.
O tema escolhido para o Dia Mundial da Saúde de 2024 busca defender o direito de todas as pessoas, em todos os lugares, terem acesso a serviços de saúde, educação e informação, bem como a água potável, ar puro, alimentação saudável, moradia de qualidade, condições ambientais e de trabalho decentes e a estar livres de discriminação.
Vivemos ainda a emergência de conflitos, internos e entre países, como as guerras na Europa e no Oriente Médio, que devastam vidas e causam morte, dor, fome e sofrimento psicológico.
Segundo a OMS, a poluição do ar interior e exterior ceifa uma vida a cada cinco segundos. A crise climática, impulsionada pela queima de combustíveis fósseis e por um padrão de consumo predatório e irracional, retira nosso direito de respirar ar puro, beber água potável, consumir alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos. Só esse contexto explica a explosão de casos de dengue e outras arboviroses em diversos países.
Cerca de 140 países reconhecem a saúde como um direito humano em suas Constituições, mas em apenas quatro delas estão previstos os mecanismos necessários para financiá-la. O gasto em saúde cresce, mas à custa do dispêndio privado, ampliando o quadro de iniquidade.
No Brasil, um gesto simbólico marcou de forma singular o Dia Mundial da Saúde. Em entrevista coletiva sobre a saúde, realizada no Palácio do Planalto e transmitida ao vivo para todo o País, o presidente Lula teve uma atitude de alta relevância. Ao final da explanação da Ministra da Saúde, ele, à frente das câmeras, retirou paletó, gravata e camisa social, e tomou a vacina contra a gripe. Abraçado com “Zé Gotinha”, verdadeiro patrimônio cultural brasileiro, convocou a população a seguir o seu exemplo.
Por que esse simples gesto foi tão significativo? Ao longo de 50 anos, o Programa Nacional de Imunização (PNI) tornou-se uma referência internacional. O País garantiu o direito a todas as vacinas recomendadas pela OMS, de forma segura e gratuita, e manteve taxas de coberturas vacinais consideradas ideais, com excelentes resultados na erradicação e controle de doenças imunopreviníveis.
A partir do golpe de 2016 e, em particular, do governo Bolsonaro, passamos a viver uma grave crise marcada pela hesitação vacinal. Além do papel irresponsável e criminoso daquele presidente e de seus ministros da Saúde, a situação foi agravada pela disseminação de discursos antivacina, desinformação e fake news que desconsideram consensos científicos e a eficácia dos imunizantes. Essa postura amplificou e aprofundou a tragédia da pandemia da Covid-19. Centenas de milhares de vidas poderiam ter sido poupadas, segundo diversos estudos.
A insegurança e o questionamento sobre a confiabilidade das vacinas têm gerado impactos mais duradouros e longevos do que a pandemia, impondo riscos à saúde coletiva. A diminuição intensa da cobertura de todas as demais vacinas, inclusive contra paralisia infantil e sarampo, pode levar até à reemergência de doenças erradicadas.
Pesquisa do SOU_Ciência (Unifesp) indica que, atualmente, três em cada dez entrevistados têm alguma restrição ou hesitação em aderir às campanhas de vacinação. E são as pessoas mais pobres, com menor nível de escolaridade, evangélicos e eleitores de Bolsonaro as que mais relutam, não tomam ou não aplicam em seus filhos as vacinas recomendadas pelo PNI.
Para enfrentar desinformação, fake news e movimentos antivacina, precisamos de campanhas públicas mais vigorosas de incentivo à vacinação para toda a população brasileira.
O gesto de Lula nesse sentido é mais que simbólico. É um ato de compromisso com a vida e de proteção da saúde dos brasileiros. •
Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um exemplo necessário’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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