Delfim Netto

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Formado pela USP, é professor de Economia, além de ter sido ministro e deputado federal.

Opinião

Um erro da “nova política”: o não cumprimento do prometido

Aí parece estar o motivo do fracasso de sete entre cada dez propostas do governo ao Congresso

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Depois do leite derramado, os fautores da “nova política” estão em pânico com a “revolta” do Congresso, que lhes deu um grande susto. Aceitou uma emenda (mais do que discutível) na votação do segundo turno da difícil PEC da reforma da Previdência. Depois da derrota, o competente presidente do Senado, o senador David Alcolumbre, decidiu (no que fez bem) suspender a votação. Prometeu retomá-la quando o governo reagrupar suas forças para garantir 49 votos seguros contra as emendas que esperam votação.

No que parecia um ambiente de “céu azul” apareceram nuvens escuras que estavam lá escondidas no futuro. Todos fingiam que não as viam, porque se esperava que a reforma da Previdência fosse aprovada, no máximo, até agosto de 2019. Foram aquelas mesmas nuvens escuras que impediram a incorporação de estados e municípios no projeto original, porque, de acordo com as circunstâncias, elas ajudam ou prejudicam o interesse local de deputados e senadores. Com o quadro de destruição fiscal de estados e municípios, o controle da ajuda financeira da União pode determinar o sucesso ou o fracasso do atual poder incumbente. É a repartição de tais benefícios que está na base da insatisfação, do malaise que tomou conta da Câmara e do Senado e que só vai se dissipar com uma arbitragem séria entre Executivo e Legislativo. Se não houver grandeza e sólida liderança, vamos prorrogar, mais uma vez, a volta do crescimento.

No fim do nono mês do seu governo, penso que o grande erro de Bolsonaro foi não ter levado ao Congresso, na sua primeira semana, uma proposta de Lei Delegada (art. 68 da Constituição) redigida por competente constitucionalista. Talvez fosse a única saída rápida para o imbróglio em que estamos metidos. Aprovada, o que era muito provável diante: 1. Da tragédia fiscal da União e, principalmente, dos estados e municípios de interesse de deputados e senadores e 2. Do entusiasmo da formidável vitória eleitoral, ela teria dado ao ministro Guedes, com instrumentos de ação direta, não com promessas, uma fundada expectativa de algum crescimento social e econômico, que, se equânime e sustentável, poria em marcha toda a economia. Agora é tarde. A eleição de 2020, que afetará o futuro dos atuais deputados estaduais, federais e senadores, já está na rua…

Os fautores da “nova política”, a despeito da longa vivência no Congresso, não aprenderam que ela obedece a regras. Palavra empenhada é palavra cumprida. Por exemplo, quando apoiada na promessa de uma autoridade a um líder político, não pode ser retirada, porque este a transmitiu a seus liderados e pagará o preço da leviandade com sua própria desmoralização. Suspeito que essa seja a causa do fracasso de sete entre cada dez propostas do governo ao Congresso.

Não entenderam que todos têm interesses (como eles próprios tinham quando estavam lá) e que os embaraços e as facilidades concedidas às proposições do Executivo podem vir da sutileza, como a “escolha” dos relatores dos projetos pelos presidentes das duas Casas. O que tem acontecido no Congresso coloca em dúvida a proclamada inteligência controlada, telepaticamente, pelo misterioso reduto palaciano, aquele que promete benesses sem autoridade e não entrega porque lhe falta poder. No Congresso, o “fiado” tem prazo curto de validade!

Na semana passada, a tal base mítica foi explodida por um coice de 76 bilhões de reais em dez anos que acertou, no peito, o ministro Guedes. Deveria ser claro que o Congresso está conflagrado pelos interesses antagônicos e irredutíveis na distribuição de recursos (do resultado da cessão onerosa, por exemplo) pela proximidade da eleição de prefeitos e vereadores de 2020, que elegerá “um amigo ou um inimigo” de quem está no Congresso. Não é por acaso que a aprovação em segundo turno da reforma da Previdência foi posta em “banho-maria”. Na “emenda do coice”, o governo só obteve 42 votos, dos 49 que precisava. Faltaram 7 votos. Meu Deus, imagine o que eles valem!

Como disse o competente Rogério Marinho, “é evidente que alguma coisa não está correta. O governo terá tempo para se debruçar sobre o problema e tentar corrigi-lo”. É o que o Brasil espera para não perder, mais uma vez, a aceleração do lento aumento da atividade que parece já ter começado.

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