Opinião

Turismo mesmo é o povo quem faz. A burguesia apenas muda de cenário

Viajar não é apenas sair de um lugar físico, mas social, econômico e mental

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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“O lirismo, para mim, faz parte do ar que eu respiro. Mas tem que ser real” – Vinicius de Moraes

Na semana passada, mais um grande acerto do presidente Lula, ao reintroduzir o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na Câmara de Comércio Exterior (CAMEX).

A ausência do MDA representava risco iminente para a agricultura familiar nacional, principal esteio de nossa soberania alimentar, uma vez que 70% dos alimentos que consumimos provêm dela.

Ao não poder defender nossa segurança alimentar naquela instância, estávamos correndo o risco de que o agro barganhasse nossa soberania alimentar por condições mais favoráveis à exportação das commodities por ele produzidas.

Outra grande medida foi a reintrodução do Orçamento Participativo (OP), desta vez em âmbito federal.

Dessa maneira, Lula demonstra ter identificado a causa principal do golpe de 2016: a limitada participação social na elaboração, na implantação, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas, de tal sorte que a cidadania não as identificava como sendo próprias.

Por isso, não reagiram ao golpe, sem perceber que visava precisamente à destruição daquelas mesmas políticas.

Melhor ainda, o lançamento do OP será em Porto Alegre, a cidade que o criou, há mais de 30 anos. Vale recordar que o OP, atualmente, é política pública corrente em inúmeros países, que emularam a experiência brasileira e com ela aprenderam e a aperfeiçoaram.

Por outro lado, cabe indagar ao governo federal por que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não vê o descumprimento da concessão na manutenção da Rodoviária de São Paulo, provavelmente aquela com maior trânsito no País.

Os banheiros são infectos, sem qualquer condição de atender as exigências mínimas de higiene de nacionais e, pior ainda, de turistas estrangeiros.

Cabe perguntar se os detentores da concessão vivem em pocilgas ou algo semelhante, para não perceberem que os sanitários não têm qualquer condição de oferecer um mínimo de segurança e conforto para os passageiros em trânsito pela maior cidade do País.

Nesse sentido, vale notar que turismo mesmo quem faz é o povo. A burguesia apenas muda de cenário, em seus hotéis iguais, suas lojas idênticas e seu individualismo, antítese do conhecimento de pessoas e lugares.

Viajar não é apenas sair de um lugar físico, mas social, econômico e mental.

Sem esse deslocamento em direção à alteridade, apenas fingimos viajar, enganando a nós mesmos, sem possibilidade de realização do transladar, de fato. Daí, a busca por fugas que auxiliem a farsa, como álcool e outras drogas.

Só quem se comunica com o outro viaja, experimenta, amplia os próprios limites.

No campo externo, vemos povos que viajam, que assumem o desafio da alteridade, e outros que não conseguem fazê-lo.

No primeiro caso, os países que integram a Liga Árabe que, na semana passada, reintegraram a Síria àquele organismo internacional.

No segundo, os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), cujo secretário-geral, Jens Stoltenberg, proferiu a seguinte pérola, também na semana que se encerrou: “Todos os estados-membros da Otan defendem o ingresso da Ucrânia na Otan, uma vez que essa derrote a Rússia”.

Estaria aquele senhor alcoolizado ao dizer semelhante necedade? Como poderia desconhecer que a Rússia não apenas é potência nuclear, mas também detém a dianteira do vetor lançador, o míssil hipersônico, cuja tecnologia o Ocidente não alcançou?

Enfim, quando você se sentir idiota, lembre-se quem o Ocidente tem como seu defensor…

Com efeito, melhor fizeram os haitianos: cansados da inoperância do inexistente Estado (para a qual o golpista general Heleno muito contribuiu) decidiram assumir a segurança, colapsada pública, nas próprias mãos.

Da parte brasileira, silêncio pelo fracasso em que ajudamos o pobre país caribenho a mergulhar. Como se nada tivéssemos de participação naquela catástrofe, ou sequer fôssemos caribenhos, condição geográfica em que o litoral do Amapá, ao norte da foz do Amazonas, limite sul do Caribe, nos coloca.

Viajar, conhecer, viver, não são substuídos por impressões virtuais.

Afetividade e sofá só combinam para namorar.

Acomodação e relacionamentos não são compatíveis.

Sair, buscar e arriscar ainda são melhores do que ficar, restar.

Caminhar, sem dúvida, implica tropeços e quedas.

Mas navios têm de navegar, partir e chegar. Para então novamente partir.

Queremos amores extraordinários, mas com vidas ordinárias?

Não se plantam sementes para esperar colheitas diversas.

Ao medo do abismo, contraponha a vertigem, a superação.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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