Alberto Villas

[email protected]

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Tudo ao redor

Contar histórias é minha sina, sempre foi

Foto: José Reynaldo da Fonseca/CC BY-SA 2.5/Wikimedia Commons
Apoie Siga-nos no

Vira e mexe, fico aqui sentado no meu escritório, rodeado de livros, discos e memórias, pensando se, um dia, o assunto vai acabar. Vai não, não tem como. Basta ligar a televisão LG dependurada perto da janela que vem logo um assunto, nem que seja chato.

Contar histórias é minha sina, sempre foi. Desde pequeno, eu contava histórias, inventava algumas que, hoje, fico em dúvida se existiram mesmo ou não. É o meu ofício.

Só aqui na Carta, já foram mais de quinhentos textos, uma presença semanal que já dura anos.

Agora mesmo, voltei do passeio com o Canela com uma ideia. Passei em frente a banca do Severino e ele estava lá, explicando para uma mulher, com uma sacola surrada do Pão de Açúcar na mão, onde fica o Ama Idosos.

Antes mesmo de completar o percurso da sua banca, um outro cara já perguntava onde ficava a Rua Duílio e, quando passei pelo ponto do ônibus, uma mocinha perguntava se ali passava o Praça Clovis.

Foi quando uma senhora sentada na beirada do banco, o único cantinho seco depois da chuvarada de ontem à noite, ela também tentando se esconder do sol, disse: pergunta pro moço ali da banca que ele sabe.

Pois é, contei três informações que o Severino ia dar, em poucos minutos. Vender jornal mesmo que é bom, nada. Ele me contou outro dia que jornal que vende ali é só jornal velho pra pet. Disse que vendia um, dois, quando havia o Lance e, mesmo assim, na segunda, quando o Corinthians ganhava no domingo.

Na verdade, esse era o assunto do texto desta semana, o fato de ninguém mais comprar jornal de papel pra ler. Quando eu entro no coletivo e tiro a Folha de dentro da minha sacola de pano, tenho certeza de que todos aqueles olhos voltados pra mim devem estar imaginando: quem é esse dinossauro que ainda lê jornal? Deve ter mais de setenta anos.

E tenho. E leio jornal de papel, enquanto todos os outros passageiros estão com os olhos grudados no celular, lendo mensagens de fé para o dia que se inicia, mandando recado pro patrão dizendo que vai chegar atrasado, culpa do trânsito, se divertindo com os vídeos coreanos, seguindo alguém no Instagram, de olho no último tik-tok.

Quando chego mas adiante, vejo a discussão entre dois senhores. Não uma discussão de briga, um está contando pro outro que o prédio da esquina, em construção, parou no oitavo andar porque os moradores do prédio vizinho entraram na Justiça, já que ele começou a subir muito juntinho do outro. Ao invés de dezesseis andares, o prédio vai ter só oito.

Poderia escrever um texto falando dessa loucura que virou São Paulo. Quarteirões inteiros caindo aqui na Lapa, para dar lugar a prédios altíssimos, apartamentos de duzentos metros quadrados, duas ou três garagens, enquanto as ruas continuam da mesma largura. Como vão suportar toda essa frota de carrões, porque agora só tem carrões na rua.

Na volta, a novidade é a instalação de uma barraca de pastel de feira, pelo menos é o que diz a placa, que se instalou na Praça Nicola Festa, da noite pro dia mesmo, porque ontem passei por ali e não tinha nenhuma barraca de pastel de feira.

Em casa, com o Canela já na caminha dele esperando o primeiro biscoito do dia, natural, feito ontem à noite com banana, ovo e farinha de aveia, me lembro do assunto que tinha pensado pro texto desta semana: um épico a Shahed Al-Banna, aquela palestina de dezoito anos, que passou trinta e sete dias mandando vídeos curtinhos pra GloboNews, contando sua angústia, antes de conseguir pegar o primeiro avião da FAB com destino à felicidade. Num deles, ela disse, engolindo o choro: eu não quero morrer não, gente!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo