Opinião

Trump reduziu a diplomacia ao furto

Suas ações buscam restabelecer uma ordem internacional em que, novamente, só haja colonizadores e colonizados

Trump reduziu a diplomacia ao furto
Trump reduziu a diplomacia ao furto
O presidente dos EUA, Donald Trump. Foto: Andew Caballero-Reynolds/AFP
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Os antigos diziam que, quando a gente botava um mastro no chão para fazer nossos ritos, ele marcava o centro do mundo.”
Ailton Krenak

Sempre preferi “multicêntrico” a “multipolar”, pela simples razão de que esse conceito me parece mais próximo do ideal: um mundo em que haja múltiplos centros — e os polos sejam apenas o Sul e o Norte.

Dito isso, toda a agressão de Donald Trump aos demais países resume-se a neocolonialismo e à pilhagem que implica. A defesa do genocida Bolsonaro e da família de criminosos amestrados é exclusivamente uma cortina de fumaça para reduzir o Brasil novamente à condição de colônia, a fim de se apropriarem de nossas riquezas — como foi feito no Panamá, em Gaza, na Ucrânia e na República Democrática do Congo.

Trump reduziu a diplomacia ao furto, principalmente de riquezas minerais. Todas as suas ações estão determinadas pelo roubo, seja externa ou internamente. Em Gaza, a apropriação das terras palestinas; no Líbano, do gás (nestes dois casos, o acaparamento se dá por meio de guerras de procuração, financiando e armando Israel); no Panamá, tomando virtualmente o Canal de volta; na Ucrânia, reclamando minérios em troca de armamento, lucrando duplamente; no Congo, retirando as tropas de Ruanda do território congolês em troca de um terço das maiores jazidas minerais do mundo, inclusive terras raras, como o cobalto.

No caso do Brasil, o objetivo é atacar os BRICS também por procuração — covardia é sua marca registrada. A China e a África do Sul deixaram isso claro nas recentes declarações de seus presidentes.

Além disso, o ditador busca legitimar a anistia concedida aos golpistas de lá, por ataque similar ao que os daqui fizeram em 8 de janeiro de 2023. Também pretende destruir nossa democracia, por meio do controle do Judiciário, como fez no seu país, ao obter impunidade da Suprema Corte para qualquer ato delituoso que venha a cometer durante a presidência.

Vale notar que ele também reduziu ao silêncio e à ilegalidade o Congresso estadunidense, ao bombardear o Irã sem autorização prévia e sem ser sancionado posteriormente pela Câmara ou o Senado.

Mais ainda: pela imposição de tarifas de 50%, busca proteger as big techs para que também possam ficar inimputáveis, cometendo todo tipo de crimes — inclusive eleitorais —, com o que as democracias estariam mortas e sepultadas. Internamente, recompensa os comparsas, como as empresas que detêm concessões de prisões, permitindo que imigrantes encarcerados trabalhem em regime de escravidão, recebendo um dólar simbólico por hora para que não se configure formalmente como escravidão moderna.

Por último, suas ações visam reforçar a extrema-direita mundial, com o intuito de restabelecer uma ordem internacional em que, novamente, só haja colonizadores e colonizados — estes últimos entregando todas as suas riquezas e recebendo de volta apenas escravidão física, mental e cultural.

Mas o Brasil também precisa se fazer algumas perguntas. Em primeiro lugar: a embaixada em Washington nada suspeitava? Como é sabido, a função de uma missão diplomática é evitar que sua capital seja pega de surpresa, como aparentemente aconteceu. Vale lembrar que a embaixadora conta com três ministros-conselheiros assessorando-a diretamente, além de uma expressiva quantidade de diplomatas (a maior de todas as embaixadas brasileiras), cuja função precípua deveria ser informar o Itamaraty sobre possíveis cenários.

Se isso não ocorreu, cabe avaliação, para que se façam os necessários e urgentes aprimoramentos.

Além disso, caberá ao posto esclarecer ao governador de São Paulo — responsável direto pelo tarifaço, na medida em que apoiou de forma irresponsável as manifestações públicas do golpista Bolsonaro — que não lhe cabe subsidiar aquela embaixada, mas sim ao Itamaraty, pois é este que instrui a referida missão, mera repartição do Ministério das Relações Exteriores. Seria de supor que um governador soubesse disso, mas o óbvio, como já dizia Nelson Rodrigues, tem muitos inimigos, principalmente entre a extrema-direita brasileira.

Concomitantemente, caberia ao MRE agregar ao grupo negociador — exclusivamente em tema tarifário, pois, obviamente, em uma democracia não há ingerência entre poderes — uma representação de trabalhadoras e trabalhadores (no entendimento de que já foram convidadas empresárias e empresários), instando a contraparte estadunidense a também o fazer. Afinal, os prejuízos gerados pela arbitrariedade autoritária não deveriam recair sobre cidadãs e cidadãos estadunidenses, que serão, naquele país, os mais prejudicados pela inflação resultante.

Vale notar ainda que, se o governo brasileiro tivesse feito seu dever de casa e estabelecido previamente o Conselho de Política Externa, toda a negociação poderia beneficiar-se de legitimidade ainda maior, de forma sólida e perene.

O desafio é não permitir que o debate se rebaixe. Por vezes, tem-se valorizado mais os bonés do que as próprias cabeças…

Por fim, não deixemos que essa batalha obnubile a natureza primária de muitas de nossas exportações. Em Futuro Ancestral (Companhia das Letras), Ailton Krenak nos chama a atenção:

“…o Brasil segue exportando sua água através de grãos e minério. Tratam os rios de maneira tão desrespeitosa que dá a impressão de que sofreram um colapso afetivo em relação às preciosidades que a vida nos proporciona aqui na Terra.”

Façamos desse limão uma limonada: ampliemos a participação da sociedade civil na política externa, pois, como todos concordaremos, política pública boa é política pública participativa.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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