Antônio José Alves Júnior

Doutor em Economia e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Foi chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, entre 2004 e 2005; consultor do Banco Mundial em 2009; e chefe do Departamento de Relações com o Governo no BNDES, entre 2009 e 2013.

Rogerio Studart

Economista e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Opinião

Trump cutucou — e o Brasil precisa acordar

É evidente que Trump — e os poucos brasileiros que apoiaram o tarifaço — não estão pensando no futuro da nossa nação

Trump cutucou — e o Brasil precisa acordar
Trump cutucou — e o Brasil precisa acordar
O presidente dos EUA, Donald Trump. Foto: Andew Caballero-Reynolds/AFP
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A carta de Trump anunciando a elevação para 50% das tarifas sobre produtos brasileiros escancara o que boa parte do debate econômico nacional prefere ignorar: vivemos um momento excepcional de insegurança no comércio internacional, marcado por ataques geoeconômicos crescentes, liderados pelos próprios Estados Unidos, os arquitetos da atual ordem econômica global. Como outros países, o Brasil precisa tratar a segurança econômica como tema central da sua agenda de desenvolvimento. A questão é: como?

O tarifaço gera mais barulho do que realmente prejudica a economia brasileira. Nos anos 1990, os EUA absorviam 25% das exportações brasileiras; hoje, essa participação caiu para menos de 12%, o que representa cerca de 2% do PIB nacional. Em contrapartida, o superávit comercial brasileiro pode chegar a 80 bilhões de dólares em 2025. Além disso, o Brasil possui reservas internacionais robustas, cerca de 345 bilhões de dólares, um importante colchão de proteção contra choques externos desse tipo.

No entanto, algumas empresas e setores altamente competitivos — que investiram pesadamente e desenvolveram competências baseadas em regras estáveis — sofrerão impactos significativos. Um caso emblemático é o da Embraer, que fabrica algumas das melhores aeronaves do mundo na aviação regional. Mas, com um pouco de ousadia, há soluções: somos um país continental e, com a retomada do crescimento da renda, a demanda por voos regionais tende a se expandir rapidamente. Além disso, há grande potencial para integrar as capitais sul-americanas às principais cidades brasileiras por via aérea. Diante disso, um programa de reorganização do setor aéreo, priorizando o uso de aeronaves da Embraer, seria uma resposta estratégica.

Nosso agronegócio também será afetado. Outra frente poderia ser, portanto, estimular o consumo interno de produtos da nossa agroindústria que venham a ser prejudicados — como suco de laranja, café e carne bovina. Isso pode ser feito por meio da ampliação das compras governamentais e da liberação de créditos extraordinários para abastecer programas sociais, como a merenda escolar. Da mesma forma, por que não acelerar obras públicas e programas de habitação, direcionando o aço e o ferro-gusa antes exportados para atender ao mercado interno?

A discussão sobre segurança econômica para o Brasil deve também incluir políticas voltadas à “substituição de exportações”. Como já sabemos, o país possui um grande potencial em fontes renováveis de energia, como hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa, o que lhe confere uma posição estratégica para se tornar líder em setores relacionados à energia limpa e à descarbonização. Além disso, o país pode usar sua vantagem competitiva na produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, para expandir sua participação em mercados internacionais, alinhando sua política industrial com as tendências globais de transição energética.

O investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a parceria com o setor privado seriam fundamentais para acelerar a inovação nesses setores, criando nichos de mercado e agregando valor à cadeia produtiva. Por fim, uma política industrial focada em novas tecnologias poderia também estimular a produção e exportação de soluções tecnológicas voltadas para a geração, armazenamento e uso eficiente de energias renováveis. Isso incluiria desde o desenvolvimento de sistemas de baterias e armazenamento de energia até a implementação de tecnologias para otimizar a eficiência energética em setores como transporte e indústria.

É evidente que Trump — e os poucos brasileiros que apoiaram o tarifaço — não estão pensando no futuro da nossa nação. Mas talvez a dimensão da agressão geoeconômica possa, finalmente, fazer estimular um debate que vá além dos interesses politiqueiros e econômicos de curto prazo. Diante de um cenário internacional cada vez mais complexo, pode ser a oportunidade para construir uma coalizão em torno de uma economia mais resiliente, mais próspera e mais justa para todos. Talvez, como diz o ditado, este seja um daqueles casos em que há males que vêm para o bem

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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