

Opinião
Tristes trópicos, trágicos tempos
Se o pavor é a arma dos poderosos, a coragem é a única rebelião que resta


“Temer o amor é temer a vida, e quem teme a vida já está a meio caminho da morte”
Bertrand Russell
Acho que o antropólogo francês Claude Lévi‑Strauss, que veio ao Brasil para lecionar na Universidade de São Paulo (USP) e posteriormente escreveu Tristes Trópicos, assimilou, equivocadamente, a tristeza ao medo.
Tomou por triste o que estava amedrontado, coagido, encurralado.
Esses são os homens e mulheres deste país, em que as oligarquias se permitiam todo tipo de crime, certas da impunidade.
Como vimos na “Lava Jato”, usaram até a lei com fins políticos.
Atualmente, estamos assistindo a mais um episódio do grupo dominante, opressor, tentar se livrar do golpe de Estado que planejaram e começaram a executar, no dia 8 de Janeiro de 2023.
A paura decorre da certeza que guardam de que a plutocracia pode cometer quantos crimes quiser, à sombra da impunidade, inclusive porque os salários e benesses dos juízes tendem, como os diplomatas e outras altas carreiras do Estado, a colocarem‑nos nos ricos estratos superiores da pirâmide social brasileira.
Nesse sentido, talvez estejamos vivendo tempos inéditos da história nacional, em que uma parcela significativa da extrema‑direita está no banco dos réus, pela tentativa de golpe de Estado, em 2023.
Um dado trágico nesse sentido: as mortes de crianças e adolescentes em decorrência de intervenções policiais aumentaram 120 % no estado de São Paulo, entre 2022 e 2024. Pior, negros são três vezes mais vítimas da Polícia Militar do estado.
Se isso não é um regime de terror, cabe perguntar que nome teria?
Com efeito, o medo nos paralisa, asfixia (literalmente muitas vezes), tolhendo nossa cidadania, nossa capacidade de participar, viver e amar.
Não foi assim que Hitler buscou calar os judeus, gays, comunistas, roms e outras comunidades minorizadas?
Não é da mesma forma que o Estado terrorista de Israel age com relação aos palestinos, desde 1948 e até antes da própria criação daquele Estado?
De fato, em Biografia de um Olho (Editora Tabla), Ibrahim Nasrallah narra a visão de um palestino sobre a Inglaterra, que permitiu a livre colonização da Palestina — então protetorado inglês — por colonos judeus sionistas:
“O império no qual o sol nunca se põe!? O império que não vê o sol nem mesmo em sua capital e nada carrega além da escuridão para a humanidade, onde quer que os pés de seus soldados pisem. Teria sido melhor chamá‑lo ‘o império no qual as trevas nunca se dissipam.’”
Interessante como a obra deixa claro como a insegurança, a hesitação, o temor podem levar a grandes desastres.
Foi o caso da revolta palestina nos anos 30, que se configurava uma verdadeira revolução contra o duplo poder invasor, dos ingleses e dos judeus sionistas.
Em outubro de 1936, seguindo a orientação dos monarcas árabes, historicamente aliados da Grã‑Bretanha, os palestinos decidiram pela trégua, levando à reflexão:
“Prometeram e a revolução parou. Mas desde quando se podia confiar nas promessas dos ingleses? A mais famosa foi a que fizeram a Acharif Hussein: que libertariam os árabes do domínio turco. E no que deu? Presentearam os judeus com esta pátria assim que atravessaram as fronteiras, ou melhor, antes mesmo de cruzá‑las. Colonizaram esta terra e a dividiram… Não creio que esquecerão, nem hoje nem amanhã, que houve uma revolta que durou seis meses e não foi derrotada.”
Como disse o filósofo Sêneca ao imperador Nero:
“Teu poder radica em meu medo, já não tenho medo, tu já não tens poder.”
Por fim, aquele autor reflete, por meio do personagem:
“Ele se perguntava se nossa felicidade verdadeira estaria na busca e na perseguição dos sonhos ou em alcançá‑los.”
Vendo as infinitas atrocidades cometidas por Israel, como o recente assassinato de 17 paramédicos palestinos, cabe‑nos perguntar como pode o medo paralisar toda a comunidade internacional que continua a assistir o genocídio pela TV?
Por aqui, temos de lidar com os caricatos governadores de São Paulo, Minas, Paraná e Goiás, apoiando o genocida Jair Bolsonaro, em sua tentativa de se livrar da cadeia, por crimes que vão do genocídio ao golpe de estado, além da corrupção que lhe permitiu adquirir 107 imóveis, 51 dos quais em dinheiro vivo…
O de Santa Catarina, não menos caricato, sancionou lei que dedica o mês de abril “à conscientização da defesa da propriedade privada”.
De proverbial ignorância, pois o direito à propriedade privada é apenas um direito civil, que não se confunde com direitos humanos, estes fundamentais, universais.
O direito à propriedade diz respeito apenas aos que participam dos pactos de compra e venda, não sendo inerente à pessoa humana, ao contrário dos direitos humanos, intrínsecos a toda e qualquer pessoa, em qualquer latitude ou longitude.
Demais, o direito à propriedade, como estabelece a Constituição de 1988, está limitado pela função social da terra, podendo ser eludido, caso não se cumpra a legislação trabalhista, previdenciária ou ambiental.
Ainda que se dê o desconto de a confusão de igualar o direito à propriedade a um direito humano proceder da Revolução Francesa, o século XXI poderia ter encontrado o governador em outra centúria que não a do século XVIII.
Lembrando sempre o grande escritor e teórico político estadunidense Henry David Thoreau, resta concluir esta quadra com muita esperança:
“Avance com confiança na direção de seus sonhos. Viva a vida que imaginou.”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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