Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

Quem acredita na boa-fé da carta de Bolsonaro?

É mais uma farsa, na companhia de Temer, líder da conspiração que levou à deposição de Dilma

Jair Bolsonaro e Michel Temer. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Ao socorrer Bolsonaro quando este enfrentava um forte fogo nutrido vindo do STF, ­Michel Temer foi saudado como um grande constitucionalista, um pacificador, por setores políticos, analistas e jornalistas da grande mídia. A saudação não causou estranheza, pois a política brasileira se move sob a égide da hipocrisia. Nunca se diz o que deve ser dito. As coisas nunca são apresentadas como realmente são. A farsa e a mentira prevalecem. Bolsonaro é apenas a face radicalizada da histórica cultura da hipocrisia política no Brasil. Aqui, os hipócritas não precisam de esforço para dissimular ou fingir, pois sabem que, quando quase todos os gatos são pardos, nenhum acusa ou denuncia o outro.

Pois bem: Michel Temer é um traidor do Brasil e de seu povo. Socorreu outro traidor da pátria, que é Bolsonaro. Não é a primeira vez: em 1999, quando Bolsonaro propôs fuzilar o então presidente Fernando Henrique Cardoso e mais “uns 30 mil”, foi socorrido e salvo da cassação por Temer. Em nenhum país democrático do mundo um parlamentar que propusesse fuzilar um presidente ou primeiro-ministro ficaria com seu mandato. Naquela ocasião, Temer traiu a democracia, a deiscência, o decorro parlamentar e a própria Câmara dos Deputados.

Outra grande traição de Temer, provavelmente a maior, consistiu em enganar a presidenta Dilma Rousseff e o PT, partido com o qual tinha feito uma aliança em nome do PMDB. Seu comparsa de traições, Eduardo Cunha, testemunhou que Temer liderava as articulações do ­impeachment-golpe três meses antes do processo. Segundo Cunha, não foi uma participação qualquer: Temer foi líder da conspiração que levou à deposição de Dilma, mergulhou o Brasil numa crise política interminável e proporcionou a vitória de Bolsonaro em 2018.

 

Não contente com a sua traição, como presidente-usurpador, Temer também enganou os trabalhadores brasileiros, encaminhando uma reforma que tirou direitos e agravou o desemprego e a pobreza. A reforma foi contra o espírito e a letra da Constituição de 1988, assentados na garantia de direitos, não só civis e políticos, como também sociais. A Constituição colocou-se em linha com a Declaração de Direitos da ONU, ao entender que os direitos sociais e trabalhistas também integram os Direitos Humanos.

Agora, Temer deu mais um passo na sua ignominiosa história de vilanias e traições. Apresentou-se como um espírito maligno para proteger o grande mal que é Bolsonaro. Salvou Bolsonaro, que converteu o Brasil numa vasta arena de ódios, um vale de intrigas e mentiras, uma necrópole onde são sepultados os corpos e os sonhos de quase 600 mil pessoas que não tiveram o socorro e os cuidados necessários que o Estado e o governo tinham a obrigação de lhes prestar. O Brasil tornou-se essa necrópole onde não são sepultados apenas corpos, mas o próprio espírito moral da nação, degradada por um presidente indigno, vil, insensível e impiedoso, que debocha dos vivos e dos mortos e trai diariamente a Constituição.

 

Temer associa-se criminosamente a essa traição. Se Temer fosse constitucionalista, denunciaria as violações que Bolsonaro perpetra. Socorremo-nos aqui de Ulysses Guimarães. Ao promulgar a Constituição disse: “Quanto a ela (a Constituição), discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério”. Logo adiante, Ulysses completou dizendo que “temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”.

O “grande constitucionalista” Temer dispôs-se a ajudar Bolsonaro a reabrir o caminho maldito que leva à invasão do STF e do Senado, ao fechamento das portas do Parlamento, que aprofunda o vale do ódio e da morte e que transforma o Brasil num deserto moral.

Enquanto Temer se especializou na arte da traição, Bolsonaro se especializou na arte da esperteza dos covardes. Foi indisciplinado no Exército, chegando a preparar atentados terroristas. Expulso pelo Exército foi salvo pelo Superior Tribunal Militar. Ao ameaçar fuzilar FHC e milhares de brasileiros, foi salvo por Temer. Ao defender torturadores, ditadores, proferir injúrias raciais e ofender mulheres, sempre contou com a complacência dos liberais e das esquerdas.

O próprio FHC confessou recentemente que não o levava a sério. Quem acredita agora na boa-fé da sua carta à nação? É mais uma farsa da sua esperteza criminosa. Bolsonaro precisa ser destituído e Temer precisa ser designado por aquilo que é: um traidor da Constituição e da Pátria.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1175 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE SETEMBRO DE 2021.

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