Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Tóquio 2021: Olimpíadas já são das meninas, das mulheres

Cada vez que sento diante da televisão para espiar uma competição ou outra, abro um sorriso

Créditos: Ricardo Bufolin/CBG, Wander Roberto/COB e Fernanda Frazão/Agência Brasil
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Em razão do recrudescimento da pandemia, houve grande mobilização da sociedade japonesa pelo cancelamento das Olímpiadas que, não fosse o vírus da morte, teriam ocorrido no ano passado. Os interesses econômicos, os patrocinadores falaram mais alto e, desde o dia 23 de julho, o mundo acompanha com atenção tudo o que se passa na Terra do Sol Nascente.

Que a comunidade japonesa não me ouça, mas eu precisava desse estímulo sensorial, assim como muita gente. Nós, brasileiros, que desde a disseminação da Covid-19 temos enfrentado um estado de tortura permanente, precisávamos da alegria, da emoção que só os Jogos Olímpicos proporcionam há mais de um século. Cada vez que sento diante da televisão para espiar uma competição ou outra, abro um sorriso. Sou tomada por uma espécie de bálsamo que me cura desse país chamado Brasil.

Por motivos óbvios, até o início dos Jogos, não conseguia pensar na possibilidade de torcer pela seleção canarinho, mas Richarlison, Paulinho e Arana, que também defende as cores do Galo, meu time do coração, me fizeram mudar de ideia. Que Exu os ilumine.

Também ando muito reticente em torcer pela seleção masculina de vôlei, como já fiz em edições anteriores. No instante em que escrevo este texto, nem mesmo o jogador Douglas Souza, que tem encantado a internet com seus vídeos, tocou o meu coração capricorniano. Entendedores entenderão.

Mas não são os jogadores que movem a escrita desta coluna. Rayssa Leal, Rebeca Andrade e Simone Biles, responsáveis pelas lágrimas que derramei nos últimos dias, são a motivação desse breve registro. Atire a primeira pedra quem não se encantou, se emocionou com essas meninas-mulheres-atletas, que nos fizeram entender o porquê de as Olímpiadas serem um evento tão esperado, aguardado. Meninas-mulheres-atletas que, como poucas, grafaram o nome na história.

Na segunda-feira, dia em que Rayssa ganhou a medalha de prata no skate, decretei feriado. Não sem motivo: passei o dia olhando a foto da maranhense e torcedora roxa do Corinthians, que se tornou a brasileira mais jovem a subir no pódio em toda história olímpica. Fixei meu olhar no aparelho nos dentes dela, no sorriso maroto, provas da pouca idade. Por outro lado, percebi que, embora tenha vivido pouco mais de uma década, Rayssa sabe muito bem o que quer.

Ao pensar na Rayssa, fui ao encontro de Malala Yousafzai, que aos 17 anos ganhou o Nobel da Paz, e refleti sobre a força de sua inspiração para as meninas do mundo inteiro. Da mesma forma, pensei no poder transformador do esporte e em quantos talentos perdemos ao não investir nesse seguimento. Infelizmente, pensei também nas meninas cotidianamente violentadas. De acordo com dados do Atlas da Segurança Pública 2020, a cada 15 minutos, uma menina com idade igual ou abaixo da de Rayssa é estuprada no Brasil.

Nascida em Guarulhos, município da região metropolitana de São Paulo, Rebeca Andrade também já havia me arrebatado durante a apresentação de ginástica artística ao som de “Baile de Favela”. Assim como Rayssa, ela nos fez lembrar que nem só de ódio, estupidez e ignorância vive esse país. Ainda há vida, festa, dança, espaço para a alegria.

Na quinta-feira, veio a consagração da filha da dona Rosa, uma lutadora que criou Rebeca sozinha. Ao receber a medalha, a atleta de origem pobre, atualmente no Flamengo, lembrou das dificuldades encontradas até chegar ao Olimpo. Lembrou que a prata reluzente não é só dela. É de tantas meninas-mulheres negras que ficaram pelo caminho, que abriram portas. É da Daiane dos Santos, que em um depoimento emocionante durante a transmissão da Globo, fez questão de registrar que, em função do racismo, até bem pouco tempo, as pessoas julgavam que a ginástica não era um esporte para elas.

Durante os Jogos, fala-se muito em “espírito olímpico”. Simone Biles evidenciou o que vem a ser isso. Dona de 19 medalhas de ouro em campeonatos mundiais, ela mostrou que uma campeã não se faz apenas com vitórias e títulos. Mesmo com toda pressão, a ginasta afro-americana decidiu ouvir o coração e respeitar os limites do corpo ao abandonar a final feminina por equipes e, em seguida, abrir mão da disputa da final individual geral da ginástica artística. “Preciso focar na minha saúde mental. Temos que proteger nossas mentes e corpos, e não apenas sair fazendo o que o mundo quer que a gente faça.”

Temos mais uma semana de Olímpiadas pela frente. Ainda bem! Ufa! Mas uma coisa é certa: Tóquio 2021 já é das meninas-mulheres. Desafio quem tem a coragem de dizer o contrário.

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