A principal causa de morte no Brasil é a doença cardiovascular. Cerca de um em cada três ou quatro dos que se interessarem por este texto, terá seus dias interrompidos por ataque cardíaco, acidente vascular cerebral, embolia pulmonar ou outra patologia que se instala no coração e/ou nos vasos sanguíneos.
Uma das primeiras tentativas de reduzir o risco desses eventos deletérios ou fatais foi o emprego de doses baixas de aspirina (ácido acetil salicílico) para reduzir a probabilidade de formação de coágulos que podem ocluir artérias como as que irrigam o coração, o cérebro e outros tecidos essenciais ao funcionamento do organismo.
Nas pessoas que já tiveram infartos ou AVCs, a prevenção de um segundo evento (prevenção secundária) oferecida pela aspirina faz parte do tratamento habitual.
Entretanto, o uso preventivo naqueles que ainda não sofreram esse tipo de evento (prevenção primária) ainda é controverso. Os possíveis benefícios devem levar em conta os riscos associados à aspirina: sangramento digestivo, cerebral, hemorragias em caso de ferimentos ou cirurgias de urgência.
Com o objetivo de avaliar periodicamente a eficácia de tratamentos médicos e de seus impactos na saúde da população, os Estados Unidos criaram, em 1984, o United States Preventive Services Task Force (USPSTF).
Em abril de 2022, o USPSTF atualizou as evidências sobre o emprego de aspirina na prevenção primária de doenças cardiovasculares à luz das últimas pesquisas e estudos randomizados. O objetivo foi avaliar os benefícios e os riscos na prevenção primária de doenças cardiovasculares e do câncer de cólon e do reto.
Os participantes foram mulheres e homens com idades de 40 a 79 anos que corriam risco acima de 20% de sofrer um primeiro evento cardiovascular aterosclerótico nos dez anos seguintes – calculados por uma fórmula desenvolvida pela Associação Americana de Cardiologia.
Doses baixas de aspirina foram consideradas aquelas iguais ou inferiores a 100 mg/dia. Os desfechos primários para avaliar a relação risco/benefício foram: o total de anos vividos e o número de anos vividos com boa qualidade de vida (QUALYS). Os benefícios incluíram a redução no número de infartos do miocárdio e de acidentes vasculares cerebrais não fatais. Os malefícios levaram em conta as hemorragias digestivas e intracranianas não fatais. O impacto na incidência do câncer colorretal foi considerada na análise final.
A análise criteriosa dos resultados reunidos nos estudos mais importantes publicados nos últimos anos permitiu concluir que o uso de aspirina em doses baixas na prevenção primária em pessoas de 40 a 59 anos, com risco acima de 10% de sofrer derrame cerebral ou infarto de miocárdio nos dez anos seguintes, oferece uma pequena proteção.
No entanto, naqueles com 60 anos ou mais, os riscos do tratamento com aspirina superam os benefícios preventivos. O USPSTF recomenda que a droga não seja prescrita nessa faixa etária.
Em relação ao possível efeito protetor da aspirina no aparecimento do câncer colorretal, as evidências não permitem confirmar a redução da incidência ou da mortalidade.
O mérito dessas revisões da literatura é o de permitir a análise crítica dos resultados obtidos nos grandes estudos internacionais. O problema é que as conclusões dependem das estimativas do risco de eventos cardiovasculares apresentados pelos diferentes grupos de participantes, dado crucial para a avaliação dos benefícios do tratamento.
Para aumentar a complexidade das análises, o risco não é parâmetro estático. Quando alguém perde peso, para de fumar, começa a praticar atividade física com regularidade, controla a glicemia e a pressão arterial, ele diminui. Quando faz o contrário, o risco aumenta.
Resumindo, a indicação de aspirina para a prevenção primária, em doses diárias que vão de 75 a 100 mg, pode ser considerada em pessoas de 40 a 59 anos com risco mais alto de sofrer um evento cardiovascular, desde que não estejam predispostas a quadros hemorrágicos, como úlceras duodenais ou doenças inflamatórias intestinais, por exemplo.
Não há evidências de benefício na prevenção primária em iniciar aspirina em mulheres e homens com 60 anos ou mais. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1209 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Tomar ou não tomar”