Marcelo Freixo

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É professor de história e deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro.

Opinião

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Todos que desejam um País justo têm muito a aprender com evangélicos

As igrejas estão com os pés no chão, em contato direto com os mais pobres, em locais onde nenhuma outra instituição chega

Foto: Agência Câmara
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O campo progressista precisa escutar o povo evangélico e compreender que tem muito a aprender com a experiência de igrejas e pastores, que amparam milhões de famílias nas periferias brasileiras. Um bom começo para derrubar esses muros é ler o excelente Povo de Deus, livro do antropólogo Juliano Spyer, finalista do Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas. Em 2013, ele conviveu por 18 meses com famílias evangélicas na periferia da Região Metropolitana de Salvador, para escrever a tese de doutorado que deu origem à obra.

O autor mostra como as igrejas exercem um papel importante ao dar ao rebanho condições para que eles superem as dificuldades do dia a dia e melhorem de vida. No plano espiritual, elas fortalecem a fé e a crença na família como base do convívio social, o que dá aos evangélicos a estabilidade necessária para se manterem firmes num mundo que parece cada vez mais imprevisível e ameaçador. No plano das contingências, criam um sentimento de comunidade que faz nascer uma rede de apoio mútuo entre membros das congregações, algo fundamental para vencer os desafios num contexto de extrema precariedade econômica e social.

Nos anos 1970, os evangélicos representavam apenas 5% da população. Hoje, eles são mais de um terço e em cerca de dez anos serão a maioria dos brasileiros

Vamos fazer um exercício de fabulação para exemplificar o enorme impacto da ação das igrejas na vida das famílias pobres. Imagine uma mulher chamada Maria, casada e mãe de dois filhos, uma criança e outro adolescente. Ela vive com a família na Vila Kennedy, uma favela conflagrada situada em Bangu, na Zona Oeste da capital carioca, e todos os dias percorre pouco mais de 50 quilômetros para chegar em Copacabana, onde trabalha como empregada doméstica.

Maria também é evangélica e, se não fosse pela ação da igreja, ela não teria onde deixar o filho pequeno quando sai de casa para trabalhar, porque faltam creches na Vila Kennedy. O mais velho, quando volta da escola, em vez de ficar nas ruas exposto à violência, participa do grupo de estudos bíblicos e aprende a tocar violino num curso dado na igreja por outro fiel que é músico. O marido de Maria, que é pedreiro, parou de beber e passou a economizar algum dinheiro, que aplica na educação dos filhos. Aos fins de semana, toda a família participa da distribuição de cestas básicas que a congregação realiza pela região.

Maria é o retrato dos fiéis das denominações pentecostais e neopentecostais, que são majoritariamente negros e pardos, moram em bairros populares, estudaram até o ensino médio e têm baixo poder aquisitivo. Ao entrarem para a igreja, essas pessoas adquirem uma disciplina e passam a ter um suporte espiritual e material que as ajuda a melhorar de vida, o que gera um empoderamento que muitas vezes não é aceito por boa parte da elite intelectual do País, que usa o argumento religioso para tentar disfarçar o preconceito de classe.

Nos anos 1970, os evangélicos representavam apenas 5% da população. Hoje, eles são mais de um terço e em cerca de dez anos serão a maioria dos brasileiros. Esse crescimento ocorreu principalmente entre as denominações pentecostais e neopentecostais, ou seja, no campo popular e mais desassistido pelas políticas públicas.

O que explica esse boom em tão pouco tempo e concentrado na base da nossa pirâmide social? As igrejas estão com os pés no chão, em contato direto com o povo, em locais onde nenhuma outra instituição chega, ouvindo os problemas de pessoas que jamais foram escutadas e acolhendo famílias que nunca foram amparadas pelo Poder Público. Elas estão tirando jovens do crime, promovendo cursos de capacitação para que fiéis tenham mais oportunidades, alfabetizando adultos para que leiam a Bíblia, ajudando pais e mães a sustentarem suas famílias e fortalecendo a fé dessas pessoas para superar as adversidades. Todos nós que desejamos um País mais justo e próspero temos muito a aprender como essa experiência.

O Brasil está passando por uma profunda crise social. Metade da população está comendo menos do que precisa para viver com dignidade, 19 milhões de pessoas estão passando fome e 14 milhões de pais e mães de famílias estão desempregados. O momento exige que todos nós busquemos a união e a paz necessárias para construirmos o bem comum. E o que temos em comum é justamente o objeto do trabalho que essas igrejas e pastores têm realizado em comunidades espalhadas pelas periferias do Brasil.

Todos nós queremos proteger as nossas famílias e garantir um futuro melhor para os nossos filhos. Todos nós queremos boas escolas, hospitais que cuidem bem da gente, transporte que funcione, oportunidades para nossos jovens e emprego decente. Esse é o horizonte que compartilhamos e que nos coloca lado a lado na mesma caminhada. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1188 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2021.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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