Os festejos de Nossa Senhora Aparecida foram transformados num lamentável e obsceno espetáculo de aproveitamento político. Aqui, numa reportagem de uma das televisões portuguesas que cobrem a campanha eleitoral, apareceu uma senhora brasileira que lamentava, abanando a cabeça, a mistura entre política e religião. “Não é nada bom”, dizia. Não, não é nada bom. No fundo, a intuição da senhora exprime a tentação religiosa de impor as suas crenças a toda a vida social e estender a polícia moral sobre os comportamentos individuais. Os momentos mais cruéis, mais violentos e mais sombrios da história humana podem encontrar-se nos períodos em que o fanatismo religioso dominou e controlou todos os aspectos da vida pública. O Irã de hoje é uma excelente ilustração do que significa uma revolução liderada por padres.
Se a natureza da política é a pluralidade humana, como escreveu uma das mais brilhantes filósofas do século XX, então talvez se possa dizer que não há pior veneno social do que a mistura da política com a religião. A política é plural, a religião é una. A política é o reino do debate e da crítica, a religião é o da fé e do dogma. A política lida com opiniões, a religião lida com a “Verdade”. O que me parece absolutamente deprimente é ver as diversas lideranças brasileiras numa competição feroz para se apresentarem perante o seu público como religiosas, como se essa qualidade fosse importante para o exercício do cargo, como se essa condição fosse determinante para a competência política ou para a qualidade da governação. O espetáculo é triste.
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