

Opinião
Tempos de troca-troca
Dizer que o Al-Hilal foi a “única saída” para Neymar, o maior artilheiro do futebol brasileiro depois de Pelé, é pura balela


O turbilhão de acontecimentos e seus desdobramentos deste ciclo que atravessamos no esporte atordoam qualquer um. E isso é apenas uma das faces que refletem estes tempos em que a vida parece mais veloz.
Enquanto, por aqui, a temporada vai ao meio, com definições importantes acontecendo, abre-se o calendário europeu, o mais valorizado de todos.
E a nova temporada emerge como de um lago que soa de fato a novidade: o polo árabe vai se fazendo independente e disputa, com os já tradicionais investidores, o negócio fabuloso que se tornou o principal esporte na sociedade moderna.
Refletindo esse movimento, as redes de comunicação também já passam a incluir a transmissão dos campeonatos árabes em suas programações rotineiras. O número de transmissões já supera o dos jogos disputados nos Estados Unidos – país que segue perseguindo o mesmo ramo comercial.
Sendo um dos protagonistas mais importantes do futebol árabe, Cristiano Ronaldo, em meio a essa disputa, acusou o golpe e declarou sua rivalidade com Messi: “A Liga Árabe é melhor que a MLS (americana)”.
A esta altura, a contratação do Neymar pelo Al-Hilal assume o topo na lista de interesses da mídia – que se detém também sobre as finais da Copa do Mundo feminina e as semifinais da Copa Sul-Americana e da Copa do Brasil. Os holofotes se voltam para ele.
E, quando estamos falando de Neymar, temos sempre de considerar que os interesses e as confusões extracampo ofuscam o talento maior do futebol brasileiro destes tempos.
Seu talento está há muito esmaecido não só pelos constantes traumas esportivos, como também pelos desvios de interesse. E o tempo voa.
Neymar está na França há mais de cinco anos e fez um compromisso de dois anos com seu novo clube que não vai alcançar a próxima Copa do Mundo. Pode ser um bom sinal. O craque, como diz a moçada, vai surfando na vida que se apresenta neste período de desequilíbrio dos valores no dia a dia da sociedade.
Resta saber se, com o amadurecimento pessoal, ele vai dedicar-se, neste intervalo, à preparação para o período final de sua carreira, para que consiga ter uma saída gloriosa, como tiveram seu mestre Pelé e seu colega Messi.
No noticiário, vem sendo dito, de forma exagerada, que o time árabe teria sido a “única saída” para o maior artilheiro do futebol brasileiro depois de Pelé. Outra balela é dizer que “o treinador havia anunciado que não contava mais com ele”. Trata-se, evidentemente, de dor de cotovelo.
Logo depois da concretização do acerto entre as partes, o Paris Saint-Germain, em nota, refletiu a posição controlada de seus dirigentes e afirmou que o atleta “marcou sua história no clube”.
Em meio a tudo isso, nos deparamos ainda com a notícia do risco de o Figueirense de Santa Catarina ir parar na Série D, depois de ter virado uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
Trata-se, a meu ver, de um sinal de alarme para os clubes de todo o País, empolgados que estão com o sucesso do Botafogo, louvado por todos e apontado até mesmo com um sinal da ressurreição do modo brasileiro de jogar futebol. Exagero.
Como se vê, a confusão é grande de extremo a extremo. E momentos assim recomendam atenção máxima. É hora de caminhar com passos medidos. •
Publicado na edição n° 1273 de CartaCapital, em 23 de agosto de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tempos de troca-troca’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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