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Tapete encardido

A Lava Jato ainda nos surpreende com escândalos que não param de vir à tona

O ex-deputado federal Deltan Dallagnol. Foto: Lula Marques/Agência Brasil
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A pretexto de combater a corrupção, a Lava Jato acarretou efeitos nefastos aos direitos fundamentais, à dignidade e à liberdade de muitas pessoas, consoante inclusive reconhecido por instâncias do Judiciário brasileiro e das Nações Unidas. Não bastassem os escândalos em cadeia de vasta repercussão nos últimos anos, ainda nos surpreendem revelações decorrentes de diálogos dos integrantes da República de Curitiba, conhecidos em razão do compartilhamento de informações coletadas da Operação Spoofing, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal.

A Lava Jato foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores escândalos da história do Judiciário brasileiro e a mais nefasta manifestação, desde a ditadura, do poder de persecução do Estado travestido em seus propósitos. Muito além de violar formalismos processuais ou de expressar, simplesmente, uma interpretação punitivista das normas jurídicas, a operação fulminou a própria relação que se estabelece entre o Estado e os indivíduos em termos civilizatórios, subverteu a nossa democracia e destruiu, irreversivelmente, mercados estruturantes da economia brasileira.

Recentemente, revelou-se que ­Deltan Dallagnol, o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, comunicou aos demais integrantes de sua equipe que elementos colhidos através do acordo de leniência da ­Odebrecht perante as autoridades brasileiras foram, sem qualquer procedimento formal de cooperação jurídica internacional, compartilhados com autoridades dos EUA e da Colômbia.

A companhia envidava, na ocasião, esforços para reconstruir-se, inclusive assumindo responsabilidades perante as autoridades brasileiras. Entretanto, essas últimas, sem qualquer compromisso institucional, divulgaram informações em face das quais tinham o dever de manter sigilo. Em consequência da quebra do dever de lealdade, a organização, pelo que se tem notícias, não logrou êxito em celebrar autocomposição na Colômbia, tendo, ao contrário, sofrido expropriação de ativos bilionários.

Estamos diante de mais um exemplo de um poderio de persecução estatal que fulminou companhias brasileiras e, consequentemente, fontes de trabalho e renda, fazendo tábula rasa para os princípios constitucionais que protegem o livre exercício de atividades econômicas e reconhecem que a empresa é uma legítima fonte de redução de desigualdades, de valorização do trabalho e de busca do pleno emprego.

Ao contrário de supostos êxitos na recuperação de valores, a Lava Jato causou severos desarranjos em nossa economia. O punitivismo estatal atrofiou cadeias produtivas de diversos setores estratégicos. O custo social e o efeito devastador para a infraestrutura nacional, para empregos e para investimentos foram objeto de diversos estudos.

O impacto da Lava Jato para o Produto Interno Bruto foi estimado pela GO Consultoria na ordem de 3,4%. Ou seja, aproximadamente, 190 bilhões de reais em riquezas foram para o ralo em nome de pouco mais de 10 bilhões que se esperava recuperar no combate à corrupção. Já o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, conhecido pela sigla Dieese, e a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, calculam que a operação foi responsável pela extinção de 4,4 milhões de postos de trabalho. Destaque-se, ainda, a avaliação do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de que houve severa fragilização da indústria petrolífera e da sua cadeia de fornecedores.

Nesse cenário, o específico diálogo ora tornado público não só revela a falta de compromisso institucional do então coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal, mas de violação ao princípio da legalidade e de quebra do dever de lealdade. Estamos diante de novo exemplo de relativização da soberania e dos interesses nacionais, bem como de descaso com as empresas brasileiras e com as fontes domésticas de emprego e renda.

É nessa terra arrasada pós-Lava Jato que o Estado brasileiro possui o dever de, além de rever a política de combate à corrupção, executar políticas públicas de planejamento e de incentivos fomentadoras do desenvolvimento. Isto é, o Estado brasileiro deve, reconhecendo o desmantelamento da infraestrutura nacional pela operação, assumir sua responsabilidade na preservação da empresa e dos empregos para, nesses termos, fornecer respostas efetivas aos combalidos mercados estruturantes da economia. •

Publicado na edição n° 1299 de CartaCapital, em 28 de fevereiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tapete encardido’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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