

Opinião
Suspeitas a rodo
O depoimento de John Textor, dono da SAF do Botafogo, ao Senado Federal só faz diminuir a credibilidade do nosso futebol


O depoimento de John Textor, o empresário norte-americano que é o sócio majoritário da SAF do Botafogo, na segunda-feira 22, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, tomou conta das “resenhas” do futebol.
Textor apresentou um relatório de quase 200 páginas com informações sigilosas sobre as supostas manipulações de resultados do Campeonato Brasileiro em 2022 e 2023. As denúncias, segundo Textor, têm como base as análises de uma empresa francesa que apura fraudes em apostas esportivas
“O que nós descobrimos não é nada diferente do restante do mundo, Bélgica, França, toda a Europa”, disse o dono da SAF do Botafogo, que depôs na CPI, instalada em 11 de abril, na condição de testemunha.
O ex-jogador e hoje senador Romário (PL-RJ), relator da CPI, disse que o convite foi feito por conta das declarações que Textor tem dado à imprensa.
Para a sexta-feira 26 está marcado o início do julgamento de Textor, pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), por causa das declarações contra a arbitragem e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), feitas após a derrota do Botafogo para o Palmeiras, por 4×3, em novembro de 2023.
O investidor não tem nada de descuidado ao levantar essas suspeitas, que atingem, além das arbitragens, jogos de apostas, patrocínios, divulgação de marcas nos uniformes e negociação de jogadores.
No Senado acabou sobrando até para Romário, que, ao inquirir o empresário se o escarcéu não teria a ver com a intenção de vender o clube mais adiante, ouviu como resposta que sua pergunta era “estúpida”.
As denúncias, que atingiram mais diretamente o Palmeiras, fizeram com que a presidente do clube paulista, Leila Pereira, fosse para cima de Textor, afirmando o seguinte:
– Não adianta você ficar elucubrando o que passa na cabeça dele. Eu sei o que passa na cabeça dele. Esse senhor, desculpa a expressão, é um idiota. Às vezes se perde tanto tempo pensando no que ele quis dizer com isso, o que ele quer? Ele não quer nada (…) O que esse John Textor está achando é que o Brasil é uma bagunça e que as autoridades não tomam providência nenhuma (…). Este homem tem de ser banido do futebol brasileiro.
No mesmo dia em que Textor falava à CPI, era publicada a ótima entrevista que a dirigente alviverde deu ao Abre Aspas, do site Globo Esporte.
Na conversa com os jornalistas Bruno Cassucci, Camila Alves, Renato Peters e Thiago Ferri, ela falou, sobretudo, sobre sua atuação no futebol, um meio de flagrante predomínio masculino mesmo em tempos de franca evolução do futebol feminino mundo afora.
Ela também foi bastante sincera, embora contestada, sobre as relações de suas empresas com o clube. Entre outras declarações de rara franqueza, Leila abordou o problema dos jogadores envolvidos em encrencas policiais e mostrou-se revoltada com a liberação dos acusados após pagamento de fiança.
Além disso, ela criticou os atrasos de salários nos clubes – dizendo ser isso “uma vergonha” – e os colegas que ganham um título, mas saem deixando o clube endividado. Não faltou, na longa entrevista, o lamento diante da violência das torcidas organizadas e a responsabilidade dos clubes sobre essa situação.
E John Textor, obviamente, também ocupou parte do tempo da conversa. O prejuízo maior trazido por toda essa situação envolvendo o dono do Botafogo é, no fim das contas, a perda de credibilidade que, naturalmente, afasta o torcedor e abala a sua confiança.
A descrença, sabemos bem, já anda grande no nosso futebol. O que também sabemos é que a baixa qualidade do futebol apresentado nos estaduais e mesmo nos campeonatos nacionais também já vinha levando a esse afastamento. Mas, no fim, tudo acaba caindo sobre os jogadores.
Outro problema que vivenciamos é que não se aguenta mais a frequência do envolvimento de jogadores em questões policiais. E isso não acontece apenas entre nós. Dois jovens de uma equipe europeia foram retirados do clube pela polícia, sob acusações de desvios de conduta.
Ou seja, como se diz popularmente, o buraco é mais embaixo. •
Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital, em 01 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Suspeitas a rodo’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também
