Opinião

Sugestão ao PT: sem olharmos para os erros, não há como corrigi-los

Cabe indagar se a legenda, com cinco milhões de filiados, está à altura do desafio de liderar a luta antifascista no Brasil e no continente

Fernando Haddad, Lula e Gleisi Hoffmann em Congresso do PT. Foto: Ricardo Stuckert.
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A sabedoria chinesa consagra 12 animais como sagrados. A cada um, corresponde um ano do calendário chinês, que se inicia em fevereiro.

Entre os 12 animais escolhidos, encontra-se o porco, com características zodiacais muito similares à virgem, no horóscopo ocidental. O porco fora singularizado naquela cultura milenar por sua capacidade regenerativa.

Como se sabe, aqueles animais ingerem alimentos de baixo valor nutricional, transformando-os em proteína de grande valor calórico e nutricional.

Uma verdadeira usina recicladora, viva.

No momento em que o principal partido de oposição à barbárie já instalada no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT), realiza seu congresso, cabe indagar, como provavelmente faria Paulo Freire, se a agremiação, com cinco milhões de filiados, está à altura do desafio de liderar a luta antifascista no Brasil e no continente.

Nesse exercício, talvez o primeiro ponto relevante seja inquirir ou inferir qual a maior demanda da população quanto ao PT.

Se nos ampararmos novamente na cultura chinesa, veremos que o principal mandamento do Tai Chi Chuan é utilizar a própria força do opositor para vencer a batalha.

Com base nessas premissas, pode-se hipotisar que a demanda principal da sociedade seja a autocrítica por parte do PT.

Por entender que ela se resumiria a eventuais descaminhos financeiros e administrativos – justamente a pauta que a direita busca impor-lhe – o partido recusa o exercício tão doloroso quanto regenerativo.

No entanto, se for capaz de perceber que na verdade está dialogando com a sombra alheia e não com a própria – como prescreveria Jung -, talvez o partido possa tirar importante lição dessa justa, inelutável e mesmo incontornável reivindicação.

À guisa de sugestão, seguem algumas perguntas que poderiam servir de roteiro, sucinto, exclusivamente no campo da política externa – o segundo de maior aprovação popular das administrações do PT, após o combate à fome. Para isso, peço a licença do embaixadores Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, que tão bem conduziram a Casa de Rio Branco naquele período.

Primeira indagação:

1) Por que não reconhecemos a República Árabe Saharaui Democrática (RASD)?

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) preparou memorando favorável, engavetado na Presidência da República. A União Africana (UE) e seus 53 membros reconheceram-na, à exceção do Marrocos. Entretanto, não resta dúvida quanto à legitimidade da reivindicação de autodeterminação por parte da população daquela sofrida nação. Descumpriu-se, portanto, o inciso III do artigo 4º da Constituição Federal, que determina que a política externa brasileira deverá reger-se pela autodeterminação dos povos.

2) No inciso X daquele artigo, encontramos outro princípio pelo qual se deve reger a política externa: a concessão de asilo político. Porém, ao herói que denunciou a espionagem da Petrobras pelos Estados Unidos da América (EUA), a fim de permitir ao império roubar-nos o pré-sal, o cidadão estadunidense Edward Snowden, a presidenta Dilma Rousseff sequer respondeu o pedido dele de asilo, como se não tivesse existido, mais uma violação da Constituição Federal;

3) O parágrafo único daquele artigo 4º da Constituição Federal estabelece que a política externa deverá buscar a integração dos povos da América Latina. Salvo engano, porém, não abrimos nenhum consulado ou vice-consulado em cidades fronteiriças; pior, sequer restabelecemos os que haviam sido extintos pelo estado mínimo da gestão anterior do PSDB, como foi o caso de Bernardo de Irigoyen, na Argentina, cidade que forma conurbação com os municípios brasileiros de Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina, e Barracão, no Paraná. Em consequência, temos atualmente mil quilômetros de fronteira seca sem nenhuma autoridade consular, em região de grande densidade populacional.

No entanto, apenas para acomodarmos embaixadores, silentes sobre o golpe de estado de 2016 e representando o atual governo fascista, abrimos consulados-gerais em capitais em que já contávamos com embaixadas, como México e Caracas, por exemplo. Por esses erros, pagamos caro, literalmente.

De fato, sem dialogarmos com a nossa sombra da Casa Grande, jamais conseguiremos a redenção da senzala.

Sem olharmos para os erros, como corrigi-los?

A população, empobrecida, pode não saber quais são os nossos interesses nas capitais de cada país, mas sabe que não somos perfeitos; ao contrário, somos falíveis; poderosos e sem poder; ricos e pobres; fascistas e democratas.

Todos, igualmente, desejam ser ouvidos; dividir logros e fracassos; vibrar com os primeiros e aprender com os segundos.

O povo que sustenta os ricos – inclusive as elites dos três poderes – sabe o preço do pagar, pois financia não apenas as próprias oligarquias, mas também as internacionais; entende que a reflexão sobre erros e acertos é diuturna e literalmente vital, pois assim é sua vida, em que os erros podem ser fatais, literalmente.

Desse povo tão sofrido não podemos subtrair a autocrítica de um partido que o levou ao céu e ao inferno – ao desconsiderar a força da extrema-direita e sua aliança com o império.

Negar-lhes também isso seria mais do que poderiam suportar.

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