Economia
Sobre a reforma trabalhista
Os empresários esquecem que os trabalhadores também são consumidores


Escoltado por editoriais de O Globo e O Estado de S. Paulo, o ex-presidente Michel Temer disparou críticas à disposição de Lula de revogar a reforma trabalhista. Temer e seus acólitos midiáticos alinharam argumentos que pretendem deslizar nos caminhos da flexibilização, entendida como o roteiro seguro para a criação de empregos.
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, edição de 10 de janeiro do ano em curso, sindicalistas contestaram os argumentos de Michel Temer e seus acólitos.
“Soa até estranha a insistência de Temer em relacionar a reforma, que foi na verdade um golpe de destruição de direitos laborais, sociais e sindicais, à ideia de modernização. Isso é um grande desapego à verdade. Se a ideia fosse modernizar o País, primeiro deveria ser resultado do diálogo social tripartite que tratasse de uma agenda transparente e pública; segundo, fortalecer a negociação e suas instituições e instrumentos; terceiro, valorizar os sindicatos como sujeitos coletivos de representação; e, quarto, ser uma mudança correlacionada com um projeto de desenvolvimento produtivo para gerar empregos de qualidade, crescimento dos salários, fortalecimento da demanda que sustenta o crescimento econômico.”
Nos primórdios do século XX, o capitalista Henry Ford já havia entendido que os salários, ademais de custo para as empresas, são também fonte de demanda para seus automóveis. Compreendeu que a formação da renda e da demanda agregadas depende da disposição de gasto dos empresários com salários e outros meios de produção que também empregam assalariados. Ao decidir gastar com o pagamento de salários e colocar sua capacidade produtiva em operação ou decidir ampliá-la, o coletivo empresarial avalia a perspectiva de retorno de seu dispêndio imaginando o dispêndio dos demais.
Ainda no século XIX, um certo Karl Marx antecipou a argumentação do capitalista Henry Ford. Disse ele: quando se trata de seu trabalhador, todo capitalista sabe que não se confronta com ele como produtor frente ao consumidor, e deseja limitar ao máximo seu consumo, i.e., seu salário. Naturalmente, ele deseja que os trabalhadores dos outros capitalistas sejam os maiores consumidores possíveis de sua mercadoria. Todavia, a relação de cada capitalista com seus trabalhadores é de fato a relação de capital e trabalho, a relação essencial. No entanto, provém precisamente daí a ilusão – verdadeira para o capitalista individual – de que, excetuando-se os seus trabalhadores, todo o resto da classe trabalhadora se defronta com ele, não como trabalhadores, mas como consumidores e gastadores de dinheiro… Portanto, o próprio capital considera a demanda dos trabalhadores – i.e., o pagamento do salário, no qual se baseia essa demanda – não como ganho, mas como perda… O capital se apresenta como uma forma peculiar da relação de dominação precisamente porque o trabalhador se defronta com ele como consumidor e detentor de valor de troca, na forma de possuidor de dinheiro… Portanto, de acordo com sua natureza, o capital põe um obstáculo para o trabalho e a criação de valor que está em contradição com sua tendência de expandi-los contínua e ilimitadamente. E uma vez que tanto põe um obstáculo que lhe é específico quanto, por outro lado, avança para além de todo obstáculo, o capital é a contradição viva.
Até meados dos anos 70 do século passado o chamado “fordismo” imperou nas economias desenvolvidas. Sabem os leitores de CartaCapital que o “fordismo” estava amparado na construção de instituições que regulavam as negociações coletivas entre trabalhadores sindicalizados e grupos empresariais. As economias europeias, sobretudo, prosperaram sob a égide do chamado capitalismo contratual. As economias avançaram em um ambiente de ganhos de produtividade, sistemas de crédito direcionados para o investimento, aumento dos salários reais, redução das desigualdades e ampliação dos direitos sociais.
Em seu formato “fordista”, o circuito de prosperidade era ativado, primordialmente, pela demanda de crédito para financiar o gasto dos empresários, confiantes nos efeitos recíprocos da expansão da renda dos trabalhadores, dos lucros corporativos e das pequenas e médias empresas espalhadas no comércio e na indústria. O circuito da renda e do emprego desenvolvia-se, então, nos espaços nacionais, impulsionando o adensamento das relações entre a manufatura, os serviços e a agricultura.
Robert Reich, secretário de Trabalho no governo Clinton, publicou uma carta aberta endereçada aos capitães da indústria americana: “Vocês se esqueceram de que os seus trabalhadores são também consumidores. Assim, ao mesmo tempo que você empurrou os salários para baixo, também espremeu seus consumidores. Eles estão tão apertados que dificilmente podem comprar o que você vende”.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1191 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JANEIRO DE 2022.
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