Luana Tolentino

[email protected]

Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Silvio Almeida: ‘A gente nunca tinha visto um presidente fazer aceno para grupo neonazista’

‘Mesmo que esse sujeito não esteja mais no poder, essa semente que ele plantou vai continuar. E a gente vai ter que se reprogramar para enfrentar esse tipo de coisa’, afirmou o presidente do Instituto Luiz Gama

Créditos: Alice Vergueiro
Apoie Siga-nos no

Ao contrário de muitos amigos, ainda não fui arrebatada pelos podcasts, mídia que anda em voga no Brasil. Ouço bem poucos. A exceção é o Mano a Mano, apresentado por Mano Brown, líder dos Racionais MC’s.

Estou sempre atenta aos convidados. A entrevista com a filósofa Sueli Carneiro, uma verdadeira aula magna, virou texto para essa coluna. Agora, repito a dose. Desta vez, com o professor e jurista Silvio Almeida que, conforme lembrou Brown, é um nome que “despontou com muita força em vários segmentos da sociedade brasileira nos últimos cinco anos”.

Dono de um currículo extenso, que inclui doutorado em Direito pela USP e o cargo de professor visitante da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Silvio Almeida abre a entrevista falando do papel crucial da família em sua vida. O presidente do Instituto Luiz Gama, que tem como objetivo o enfrentamento ao racismo, falou do orgulho de ser filho de Lourival de Almeida Filho, o Barbosinha, ex-goleiro do Corinthians. Falou do tio, um dos fundadores da escola de samba paulistana Vai-Vai. Falou ainda da tia que foi aluna da faculdade de Direito da USP e, segundo ele, é a responsável pelo “fetiche” que tem pelos livros.

Mano Brown ressaltou o destaque, a penetração dos escritos e discursos de Silvio Almeida, o lugar de prestígio que ele alcançou. Ao responder a esses apontamentos, Silvio frisou seu compromisso com a coletividade: “Eu sou a materialização dos sonhos dos meus ancestrais. O que eu consigo fazer só tem sentido na medida em que abro espaço para que outras pessoas possam sonhar. O nosso dever é abrir espaço para que outras pessoas possam caminhar.”

Um dos maiores intelectuais da contemporaneidade, Silvio Almeida refletiu sobre o discurso ultraliberal, cuja defesa do empreendedorismo constitui um de seus principais tentáculos. O colunista da Folha pontuou: “O empreendedorismo tem várias nuances, [dentre elas] o fato de ser uma ideologia que tenta de alguma maneira aplacar nossa impotência diante de um mundo que não nos dá possibilidades. É um discurso ideológico para fazer com que as pessoas se conformem com o fato de que elas não terão mais proteção social, mais direitos ao trabalho, carteira assinada, fundo de garantia…”.

Ainda sobre o espectro político, Silvio Almeida trouxe uma das facetas mais obscuras e violentas do governo do presidente Jair Bolsonaro ao sublinhar: “A gente nunca tinha visto um presidente fazer aceno para grupo neonazista. Mesmo que esse sujeito não esteja mais no poder, essa semente que ele plantou vai continuar. E a gente vai ter que se reprogramar para enfrentar esse tipo de coisa. A gente vai ter que exigir que qualquer pessoa decente que esteja no poder coloque uma risca no chão e diga: daqui não vai passar”.

No que se refere ao combate ao racismo e à promoção da justiça racial, Silvio Almeida destacou a relevância, os impactos das cotas na reconfiguração da sociedade brasileira: “Política de cotas igual a gente fez no Brasil não existe em nenhum lugar do mundo. Não é igual à dos Estados Unidos, é muito mais radical. A gente construiu um caminho único. É uma das políticas mais bem-sucedidas. Se não fosse a política de acesso à universidade, não teria um monte de pretinho e pretinha lá. A gente mudou a dinâmica da universidade. A universidade era um lugar de branco.”

Durante a conversa com Mano Brown, Silvio Almeida lembrou também do caráter revolucionário do SUS: “O Sistema Único de Saúde é uma coisa muito linda, é uma prova de solidariedade. A gente tinha que ser defensor incondicional do Sistema Único de Saúde no Brasil. (…). E qual o problema do Sistema Único de Saúde? O problema é o financiamento. O problema é que algumas pessoas querem destruir o SUS por conta de interesses privados. É o que tem acontecido nos últimos anos, especialmente neste governo. Eles querem destruir o SUS porque querem privatizar a saúde”.

Embora a entrevista tenha sido concedida em um cenário de muita destruição, ao lembrar dos ancestrais que vieram acorrentados em navios negreiros, Silvio Almeida fez questão de pontuar: “Não me dou ao direito de ser pessimista. É preciso acreditar. Uma hora vai acontecer!”.

Que assim seja.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo