Silvia Maria

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Pedagoga com 30 anos de experiência na área da Educação no município de São Paulo. Foi Coordenadora Pedagógica, Supervisora Escolar 10 anos. Supervisora Técnica por 4 anos. Diretora da Divisão de Normatização Técnica da Secretaria Municipal de Educação.

Opinião

Será que você mantém um Arthur do Val de estimação no seu grupo de amigos?

Após ouvir os áudios me fiz perguntas: por que as falas misóginas me pareciam conhecidas?

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No mês dedicado à luta pela igualdade de direitos das mulheres, os brasileiros e brasileiras se depararam com a notícia de que o deputado estadual Arthur do Val, conhecido pelo codinome Mamãe Falei, como crianças se referem às suas mães, fez comentários misóginos descrevendo suas impressões sobre as mulheres da Ucrânia que se encontravam em situação de refugiadas de guerra.

Arthur parecia confortável em dizer as frases no grupo de amigos comparando a fila das mulheres fugindo de uma guerra com as das “melhores” baladas, recomendando através do verbo “pegar”, utilizado na língua portuguesa para objetos, técnicas para homens se relacionarem com loiras na Europa, destacando a importância de priorizar as cidades com menor recurso, pois segundo ele, as mulheres que vivem nessas regiões são fáceis porque são pobres.

Em um tom tranquilo disse outras violências, como de, na percepção dele, o fato de ter milhares de seguidores nas suas redes sociais, acrescido da pobreza, são facilitadores, uma vez que no Brasil mulheres com a mesma aparência o rejeitariam.

A maneira que ele se dirigia ao grupo, se referido aos participantes como “manos e irmãos”, me chamou a atenção. Arthur demonstrou estar entre pessoas íntimas, agindo de maneira confortável e que, provavelmente, aquele tipo de conversa violenta é comum na rotina do grupo. Mas será que só os “Brothers” de Arthur agem dessa maneira?

Após ouvir os áudios me fiz perguntas: por que as falas misóginas me pareciam conhecidas? Por que, apesar da indignação, o conteúdo do áudio não me pareceu estranho nem incomum? As respostas vieram através das minhas memórias, pois inúmeras vezes presenciei homens com comportamento similares ao de Arthur mamãe.

Ocuparam minha mente episódios de homens tecendo publicamente e sem constrangimento comentários semelhantes ao dos áudios, divertindo-se ao atribuir notas em voz alta às mulheres que por eles passavam, fazendo apostas de quem conseguisse sair com uma escolhida pelo grupo, relatando em tom de bravata suas vivências sexuais com mulheres – às vezes conhecida pelos ouvintes – ou até mesmo compartilhando as estratégias que utilizaram para enganar suas companheiras, para viverem o que chamam de “aventura” e tantas situações vivenciadas por mim.

Nas cenas que recordei, os atores eram homens que trabalharam, estudaram ou que mantinham algum vínculo institucional comigo, até mesmo familiar. Me lembrei de uma ocasião em que um colega me mostrou as conversas existentes em grupo que participava, de nome “Os Parças”, cuja foto de perfil eram homens bebendo em uma mesa.

Li as mensagens que objetificavam corpos femininos, com piadas misóginas e memes machistas. Quando questionei a participação do meu colega no grupo, já que me mostrou alegando sentir incômodos, ele declarou que não interagia com os comentários misóginos, mas gostava de fazer parte.

Eu não acredito em neutralidades. No caso do meu colega, estou convencida de que o fato de ser integrante, mesmo em silêncio, faz dele corresponsável, pois quem ouve posicionamentos misóginos e silencia é criminoso também, ou como escreveu Desmond Tutu: “se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.

E você, há deu um unfollow no seu Arthur da mamãe de estimação hoje?

Conversas como a de Arthur estão presentes em muitos espaços. No trabalho, escolas, academias, reuniões em família e lamentavelmente dentro de nossas casas. Recebemos homens com esse comportamento para jantar, em festas e comemorações diversas. Nos relacionamos com essas pessoas e se mostrarmos a elas os áudios do Arthur mamãe poderão até revelar indignação, como fez o atual presidente da República, conhecido por falas públicas violentas a mulheres, como, por exemplo, a dita para a deputada Maria do Rosário: Só não te estupro, porque você não merece!

Vivemos no país que elegeu com centenas de milhares de votos homens como Arthur mamãe e Bolsonaro, dando a eles poder sobre as pautas das mulheres brasileiras. Contudo, para muitos deles, o machista e misógino é sempre o outro. O vizinho é o agressor, mas raramente nos deparamos com um homem que reconhece a misoginia que reproduz de maneira sistêmica, mesmo que inconscientemente, para que possa mudar.

A boa notícia é que a cada dia aumenta o número de mulheres e homens com disposição para destruir esse tipo de masculinidade que envenena relações, mata mulheres e que também trazem consequências para os agressores. Há uma legião que já conhece o repetido roteiro dos agressores que, quando flagrados e denunciados, tiram do bolso um pedido desculpas, como se a violência não fosse intencional. Eles se acostumaram a oferecer um pedido de desculpas, que hoje não é mais aceitável para muitas pessoas.

Mas penso que, pior do que a aversão de pessoas conscientes a esses comportamentos, é que está cada vez mais difícil a proteção dos “manos” quando homens como Arthur mamãe são flagrados e denunciados.

Sabemos que homens com esse tipo de comportamento, na maioria, não estão dispostos a mudar. Como foi dito na célebre frase do filme Cidade de Deus, na conversa entre os personagens Berenice e Cabeleira: “Malandro não para, malandro dá um tempo”.

Que este malandro em particular dê bastante tempo e quando por ventura tentar ressurgir, que possamos lembrar e jogar em sua face, a vergonhosa história que escreveu.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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