Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Senegão FC: o futebol na luta contra o racismo

Unindo diversão e ativismo, o time catarinense reúne operários, acadêmicos, profissionais liberais, imigrantes angolanos e funcionários públicos

(Foto: Cassia Santanna/Divulgação)
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Como amante do futebol, sempre que penso em racismo nas quatro linhas, lembro do grandioso Vasco da Gama, primeiro time brasileiro a aceitar jogadores negros em seu elenco. 

Em relação a atletas engajados na luta antirracista, Reinaldo e Paulo César Caju, craques dos anos 1970 e 1980, logo me vêm à mente. O primeiro, um dos maiores ídolos do Clube Atlético Mineiro, meu time do coração, comemorava seus gols magistrais com o braço erguido e o punho cerrado, inspirado nos Panteras Negras, movimento norte-americano pelos direitos civis. Em plena ditadura, o gesto imortalizado pelo Rei, como era chamado, desagradou ao presidente Ernesto Geisel, que via na atitude do jogador um ato subversivo. Segundo Reinaldo, a suspensão recebida na final do Campeonato Brasileiro de 1977, disputada entre Galo e São Paulo, veio por ordem dos generais, em retaliação à sua postura combativa. 

Em um período mais recente, lembro dos discursos contundentes de Grafite e Aranha, este, alvo da sanha racista de uma parte da torcida do Grêmio, em 2014, quando vestia a camisa do Santos. Sons e imagens das câmeras da ESPN flagraram gremistas chamando-o de macaco. Diante das manifestações hediondas, Aranha interrompeu a partida, exigindo que o árbitro tomasse alguma providência. No jogo válido pelo Campeonato Brasileiro, a assertiva do antropólogo Kabengele Munanga se materializou: “O racismo é um crime perfeito no Brasil, porque quem comete acha que a culpa está na própria vítima”. Passados quase 10 anos, não houve qualquer punição para o time gaúcho, tão pouco para a torcida, ao passo que o goleiro teve a carreira praticamente destruída, conforme declarou em entrevista concedida ao Brasil de Fato

Lembro ainda do ex-jogador e hoje técnico Roger Machado, sem sombra de dúvidas, uma das vozes mais lúcidas do futebol brasileiro, não só no que diz respeito às denúncias e ao enfrentamento do racismo que baliza as relações sociais no país, como também na esfera política. Além de um posicionamento sempre firme, Roger é o idealizador da “Coleção Diálogos da Diáspora”, que nos próximos cinco anos pretende lançar cerca de 50 títulos assinados por escritores negros e indígenas.

Como não poderia deixar de ser, lembro sempre do jovem Vinicius Junior, jogador do Real Madrid e alvo de racismo nos estádios europeus. Com lágrimas nos olhos, dor no coração e muita altivez, Vini Jr. tem se firmado como uma voz mundial na luta contra esse mal, assim como foi Muhammad Ali, reconhecido como o maior pugilista da história. 

E é na esteira desses exemplos de luta pela igualdade racial por meio do futebol que foi criado recentemente em Joinville, Santa Catarina, o Senegão Futebol Clube, time que reúne operários, acadêmicos, profissionais liberais, imigrantes angolanos e funcionários públicos com o objetivo de juntar diversão e ativismo político como mecanismo de enfrentamento ao racismo e conscientização da população quanto aos abismos que ele provoca. 

O nome foi inspirado no Senegal, time criado por ativistas negros da cidade no final da década de 1950, responsáveis também pela fundação do Kenia, clube de lazer frequentado pela comunidade negra joinvilense. Rhuan Fernandes, pesquisador e representante da agremiação, disse em conversa via WhatsApp: “O objetivo é ser um time antirracista e antifascista, abrindo espaço para as pessoas pretas não só jogarem bola, mas também conceberem um lugar de acolhimento, de troca familiar, de aquilombamento, que permita a construção e o fortalecimento de uma consciência política e racial”.

O Senegão participa da Liga Canhota de Joinville, que concentra equipes formadas por jogadores alinhados com os princípios da esquerda. Os jogos são sempre aos domingos. Em novembro, na semana da Consciência Negra, o time liderado por Rhuan já tem um compromisso marcado na cidade de Araquari: disputar uma partida contra a equipe do quilombo de Itapocu. 

Partindo do princípio de que superar o racismo no Brasil exige a participação não só de negros, a equipe conta com a participação de jogadores brancos, chamados carinhosamente de aliados. Em um momento de acirramento da violência racista e das constantes ameaças fascistas, o Senegão mostra que há várias formas de combater o racismo. No caso deles, com consciência racial, futebol, churrasco, samba e cerveja. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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