

Opinião
Semana decisiva
Fica, ao fim da campanha eleitoral, a impressão de que estaríamos elegendo um rei, e não o responsável por uma instância do sistema de poder político do País
Chegamos à semana final do segundo turno das eleições. A primeira vitória, isto é, ter sido cumprido o calendário “democrático” até o fim, conseguimos. Foi uma vitória penosa, mas, como nos lembra a citação famosa, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.
A ideia de golpe nunca foi disfarçada. Ouso dizer que essa ausência de disfarce é o mérito maior, se não o único, dos assumidamente conservadores. Desde sempre, suas intenções de ir às últimas consequências estão nos gestos característicos das “arminhas” com os dedos. Tal gesto é explicitado em todas as ocasiões possíveis: de manifestações oficiais aos atentados permanentes às instituições públicas.
Esse grupo protagonizou, nos anos recentes, seguidos movimentos que visavam criar oportunidades de ruptura do prosseguimento da normalidade, muitas vezes, tentando descumprir as regras estabelecidas pela Constituição de 1988. Houve, nesses caminhos, lances inacreditáveis, como a tragicomédia delirante protagonizada por Roberto Jefferson nos últimos dias.
Um fato determinante para que a democracia e o direito à livre manifestação permanecessem de pé entre nós foi a derrocada do “trumpismo, nos Estados Unidos. Trump, sabemos todos, era a cabeça do ideário mais que conservador e retrógrado. A trajetória desse grupo que, neste momento, detém o poder foi sempre um “copia e cola” da orientação norte-americana, repudiada por muitos dos cidadãos por lá.
O mundo, neste momento, nos ensina que não estamos em tempos de isolacionismo patriótico obtuso. O multilateralismo – cantado muitas décadas atrás por John Lennon, em Imagine – é uma necessidade para a evolução do planeta.
A guerra na Ucrânia, por outro lado, significa um momento grave de divisão do pensamento humano Ocidente-Oriente, capitalismo-socialismo. E essa divisão se reflete, atualmente, no mundo todo. Atravessamos um momento inadiável para o desenvolvimento independente do Brasil. A não concretização dessa possibilidade representaria um atraso de décadas na vida brasileira
O que propõem os retrógrados brasileiros, com as medidas em curso desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, é, nada mais, nada menos que uma nova forma de escravidão. Trata-se de um modelo de trabalho que espelha o auge da desgraça humana no neoliberalismo.
Vem daí o desfecho desta campanha eleitoral, quase transformada em ringue. Fica, ao fim dela, a impressão de que estaríamos elegendo um rei, e não o responsável por uma instância do sistema de poder político do País.
Nesse contexto tem todo sentido que PT e PSOL tenham apresentado um pedido de convocação do ministro da Justiça, Anderson Torres, para dar explicações ao plenário da Câmara e à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sobre sua presença no episódio que terminou com Jefferson disparando tiros e jogando bombas contra a Polícia Federal.
Levados pela necessidade premente, nós, progressistas, chegamos a estas eleições com a formação de um bloco de grande potência. Sabemos da enorme dificuldade de conciliar os interesses mais díspares e, por isso mesmo, o empenho maior está na consolidação desse conjunto poderoso.
A eleição de Lula, se concretizada, trará a marca de seu experimentado talento natural, associado à vasta vivência política adquirida ao longo desses anos todos.
Essa vivência começa na vida de retirante, atravessa dois exercícios na Presidência da República e inclui ainda derrotas e injustiças graves. Mas, em toda e qualquer situação, ele sempre respeitou o caminho da democracia. Desde o primeiro momento, a despeito das críticas, Lula anteviu a necessidade da mais ampla mobilização dos diferentes grupos de interesses em razão do objetivo maior do Brasil como um todo.
Apenas aos conservadores mais retrógrados – que são, no fundo, colonialistas declarados – não interessa a eleição desse genuíno filho da terra brasileira. Resta vencer, garantir a vitória e conquistar a verdadeira independência brasileira tão sonhada e tantas vezes adiada.
Como diz o samba “continuo aqui mesmo”, acreditando na conscientização das pessoas e no verso que nos diz que a vida é bonita, é bonita e é bonita. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Semana decisiva”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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