Carlos Bocuhy

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Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam.

Opinião

Sem mais participação social, as COPs serão inúteis para conter o aquecimento global

Falar de mudança climática é também falar da capacidade humana de realizar controle social sobre atividades predatórias

Ativistas levantam uma faixa que diz "Pessoas vs. Combustíveis Fósseis" enquanto o Presidente dos EUA Joe Biden faz um discurso durante a conferência climática COP27 na cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, no Mar Vermelho, em 11 de novembro de 2022 — Foto: AHMAD GHARABLI / AFP
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Colocar em pauta a busca de soluções bilionárias envolvendo fortes interesses econômicos exige empoderamento social. É preciso muita pressão por parte das forças mais progressistas para conter os processos ambientalmente impactantes do aquecimento global.

O resultado da COP-27, que ocorreu em Sharm-el-Sheikh no Egito, nos leva a refletir sobre a capacidade da humanidade em garantir sua sobrevivência, especialmente a dos mais vulneráveis. Em apertada síntese, conduziu um arremedo de acordo para um Fundo para Países Vulneráveis, depois de 30 anos de discussões sobre o tema – e manteve a duras penas a meta de 1,5º de aquecimento global médio a ser atingida com medidas escalonadas para 2030 e 2050.

Mas a expectativa concreta de fundos destinados à reparação de danos e proporcionar a transição energética, especialmente dos países vulneráveis, em nada avançou.

Uma das questões que chamou a atenção no Egito foi como a insuficiência democrática dos países-sede afetam a qualidade dos avanços possíveis. Sem pressão social, aumenta a zona de conforto dos países participantes, deixando de estimular medidas mais corajosas e saneadoras.

Um exemplo da importância da participação social para a agenda ambiental é o que aconteceu no Brasil nos últimos anos. A participação social, que segundo nossa Constituição deve ser plena em assuntos ambientais, foi o primeiro alvo das medidas antiambientais do governo Bolsonaro, que visou desmantelar instâncias onde haveria resistência por parte de movimentos progressistas.

A coincidência da realização de duas COPs seguidas, Egito e Emirados Árabes Unidos, em países reconhecidamente autoritários e com fortes interesses e ligações com a área petrolífera, ocorre exatamente no período de crise climática mais aguda de todos os tempos, representando uma enorme perda de participação para movimentos civis e de timing e oportunidade transformadora para a sociedade global.

No Egito, durante a COP-27, protestos foram sumariamente sufocados e até o sistema de comunicação interna da conferência apresentou indícios de controle estatal sobre os participantes, inclusive com evidências de espionagem. O presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, é reconhecidamente avesso aos direitos humanos. Segundo o representante da Anistia Internacional Hussein Baoumi, a COP27 foi uma oportunidade para o presidente Sisi posasse ao lado dos líderes mundiais, enquanto nos últimos anos tem esmagado de forma autoritária qualquer tipo de resistência civil.

A COP-28 será realizada em 2023 nos Emirados Árabes Unidos, uma monarquia absolutista que mantém centenas de presos políticos por defenderem direitos humanos.

Os aspectos de direitos humanos são fundamentais nas conferências climáticas, pois dizem respeito a temas centrais dessas tratativas. Mas não tem sido devidamente avaliados para a realização das COPs, eventos que demandam transparência e liberdade de expressão. Os acordos climáticos, para avançar, necessitam de fortes elementos de pressão ligados à liberdade de expressão e direitos humanos, componente indissociável da justiça climática.

Não é pouco o que está em jogo. Por exemplo, delibera-se como e de que forma a sociedade global deve assumir responsabilidades diante dos efeitos dos eventos extremos, que recentemente custaram ao Paquistão, em 2022, cerca de 1.700 vidas, o deslocamento de 2 milhões de pessoas e estimativas de danos materiais da ordem de US$ 30 bilhões.

Ativistas apontam a necessidade de responsabilização dos grandes países historicamente responsáveis pela emissão de carbono. Para tanto a COP27 acabou por sacralizar a criação de um Fundo para Países Vulneráveis, cujo desenvolvimento demandará forte articulação para a COP28, nos Emirados Árabes Unidos.

A reparação por danos climáticos busca apoiar as nações mais pobres pelos danos causados pelas mudanças climáticas e responde à demanda criada há mais de 30 anos por Vanuatu, um país insular do Pacífico.

Porém, algumas vezes o tiro sai pela culatra. Se houve articulação por uma série de países autoritários para sediar a COP e refrear avanços e a expressão da sociedade civil, o fato é que a COP27 acabou por provocar um fortalecimento do ativismo no Oriente Médio. Séverine de Laveleye, política belga, atacou fortemente o governo do presidente Sisi, afirmando que o governo do Egito é repressivo e fere direitos humanos. A declaração ocorreu depois de ter sido detida pelas forças de segurança egípcias, por carregar crachás representando alguns dos 65 mil presos políticos do Egito, entre eles um icônico blogueiro, Alaa Abd el-Fattah, ativista britânico de origem egípcia.

(Foto: Yves Herman/Reuters)

Meio ambiente e direitos humanos possuem elo fortíssimo. Especialmente quando se trata de aferir responsabilidades que afetam direitos fundamentais à vida de grandes populações. Assim, a democracia passa a ser, de forma incontestável, uma questão de essência e um componente imprescindível para subsidiar e alimentar o processo de negociações.

Tão importante quanto os aspectos científicos envolvidos nas discussões climáticas globais, os instrumentos democráticos vigentes nos países sede poderão ou não viabilizar o sucesso dessas conferências.

Um dos instrumentos mais avançados para a garantia da participação social é o Acordo de Escazú, que afirma sobre os meios de participação social: “São essenciais para o desenvolvimento sustentável, incluindo crescimento econômico sustentável e inclusivo, desenvolvimento social, proteção ambiental e a erradicação da pobreza e da fome. Destaca ainda que ampla participação pública e o acesso à informação e às instâncias judiciais e administrativas são indispensáveis para a promoção do desenvolvimento sustentável, e encoraja ações nos níveis regional, nacional, subnacional e local para promover o acesso à informação, a participação pública no processo decisório e o acesso à justiça em questões ambientais, quando apropriado…”

A realidade contemporânea nos ensina, cada vez mais, que os avanços civilizatórios são compostos por elementos multidisciplinares voltados a construir pontes para o futuro, entre os quais as ciências e as conquistas sociais, em debates que só poderão ser efetivamente implementados por meio de processos democráticos.

Assim, ou as COPs serão revitalizadas à luz da democracia e da ampla participação social, ou se tornarão meios ineficazes para conter o aquecimento global.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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