Opinião

Sem erradicarmos o analfabetismo, continuaremos explorados pelos EUA

‘ Na Bolívia, as políticas públicas foram executadas com o povo. Milhares de rádios comunitárias foram abertas e o analfabetismo, extinto’

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“Aqueles que não têm nada a perder são muito ricos”.
Provérbio chinês.

Sempre brilhante, o Papa Francisco, ao impor o barrete cardinalício aos 13 novos cardeais na semana passada, afirmou: “…elitistas que trabalham para o povo, mas não fazem nada com o povo, não se sentem povo”.

De fato, há uma grande diferença entre fazer algo para alguém e fazer algo com alguém.

Talvez seja essa a chave para entender a facilidade com que a população da Bolívia superou o golpe de estado, em apenas um ano, ao contrário da brasileira, que sofre as duras penas do golpe de 2016, sem conseguir a reversão.

As eleições municipais recentemente concluídas no Brasil trouxeram algum alento, principalmente no que tange ao esboço da unidade de esquerda e a emergência de novas lideranças.

Entretanto, a liquidação da nação prossegue a passos velozes, seja pelo aprofundamento da pandemia, seja pela destruição do patrimônio público, principalmente o natural.

A vitória de Biden nos Estados Unidos da América deixou o atual desgoverno brasileiro de extrema-direita ainda mais isolado, mas sem sinais de queda iminente.

A liquidação das riquezas nacionais é tal que poderosos interesses internacionais ainda têm grande interesse na manutenção do projeto genocida, que poderia levar à própria extinção da vida humana sobre a terra.

A explicação? Na Bolívia, as políticas públicas foram executadas com o povo. Milhares de rádios comunitárias foram abertas e o analfabetismo, extinto.

Aliás, o método para a erradicação do analfabetismo adotado pela Bolívia foi oferecido ao Brasil. Lá, foi aceito; aqui, rejeitado. Infelizmente, somos livres para fazermos escolhas, mas prisioneiros das consequências, nas palavras do poeta, diplomata chileno e Prêmio Nobel de Literatura, Pablo Neruda.

Sem erradicarmos o analfabetismo, dificilmente poderemos sequer enfrentar a hegemonia cultural imperialista, que determina nossa condição de explorados, principalmente pelos EUA.

Com efeito, sem libertação das cadeias mentais do neo-escravagismo moderno, em que 1% da população mundial detém mais riqueza do que os demais 99%, não poderemos pensar em desenvolvimento ou respeito aos direitos humanos.

O Brasil fica, destarte, na triste companhia de Hungria e Polônia, dois outros países atualmente desgovernados pela extrema-direita.

A propósito do colonialismo cultural, vale citar Eduardo Galeano, em “Dias e noites de amor e guerra”, em uma estória pessoal a ele referida por Raimundo Gleizer, grande cineasta de ascendência polonesa, posteriormente assassinado pela ditadura militar argentina: “A Primeira Guerra Mundial não foi novidade para ninguém naquela comarca sofrida, mas piorou o que já era ruim. Os que não morriam começavam os dias com as pernas bambas e um nó no estômago.

Em 1918 chegou à região um carregamento de sapatos. A Sociedade de Damas de Beneficência tinha enviado sapatos dos Estados Unidos. Vieram os famintos de todas as aldeias e disputaram os sapatos a dentadas. Viam um sapato pela primeira vez. Nunca ninguém tinha usado sapatos naquelas comarcas. Os mais fortes iam embora dançando de alegria com sua caixa de sapatos novos debaixo do braço.

O pai de Raimundo chegou a casa, desamarrou os trapos que enrolavam seus pés, abriu a caixa e experimentou o sapato esquerdo. O pé protestou, mas entrou. O que não entrou foi o pé direito. A família inteira empurrava, mas não adiantou. Então a mãe percebeu que os dois sapatos tinham a ponta virada para o mesmo lado. Ele voltou correndo ao centro de distribuição. Já não havia ninguém.

E começou a perseguição ao sapato direito.

Durante meses caminhou o pai de Raimundo, de aldeia em aldeia, averiguando.

Depois de andar muito, e perguntar muito, encontrou o que buscava. Num povoado perdido, além das colinas, estava o homem que calçava o mesmo número e que tinha levado dois sapatos direitos. Lá estavam eles, brilhantes, em cima de um nicho. Eram o único enfeite da casa.

O pai de Raimundo ofereceu o sapato esquerdo.

– Ah, não – disse o outro. – Se os americanos mandaram os sapatos assim, é porque assim deve ser. Eles sabem o que fazem. Eles fazem as coisas direito.

E não houve jeito de convencê-lo.”

Na Polônia, como aqui, como na Jamaica de Bob Marley, a luta é pela descolonização dos corações e mentes: “Get up, stand up, stand up for your rights. Get up, stand up. Don’t give up the fight”.

Que neste final de ano, em que ainda deveremos manter o isolamento, sejamos capazes de valorar toda a riqueza dos encontros e lembremos, mais uma vez com o Papa Francisco, na recém-publicada encíclica “Irmãos Todos”, em que citou o poetinha e diplomata Vinícius de Moraes que: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nesta vida”.

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