Opinião

Sem a caneta, Bolsonaro aposta no poder da desinformação

Ex-capitão, escanteado nas decisões, estimula a rebelião contra as medidas de proteção à saúde

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Sergio Lima/AFP
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Pouco antes de mais um pronunciamento claudicante de Jair Bolsonaro em cadeia de rádio e televisão, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, impediu o governo federal de tomar qualquer decisão que contrarie as determinações dos estados e municípios no combate à pandemia. Foi uma resposta a uma reiterada bravata do ex-capitão.

No fim da tarde da quarta-feira 8, na enésima entrevista ao porta-voz José Luiz Datena, Bolsonaro ameaçou decretar a reabertura do comércio em todo o País e sugeriu às famílias que cuidassem de seus idosos e dependessem menos do poder público.

O despacho do ministro Moraes reforça a esterilização do poder de fato de Bolsonaro. Judicialmente impedido e politicamente castrado, neste caso por ação direta da ala militar, o ex-capitão anda mais decorativo do que o vice-presidente Michel Temer antes do impeachment de Dilma Rousseff. Bamboleia por Brasília como um zumbi.

Até no meio do rebanho de seguidores confinado no cercadinho na porta do Palácio do Alvorada há quem o contrarie. Está difícil a jornada do “mito”.

A frustração da rainha da Inglaterra, perdão, do presidente provoca duas reações. Uma, patética: a necessidade de reafirmar constantemente quem manda, quem é o técnico. Mas como observou Tywin Lannister na série “Games of Thrones”, frase que por motivos óbvios viralizou nas redes sociais brasileiras nos últimos dias, “qualquer homem que precisa dizer ‘eu sou o rei’ não é um rei de verdade”.

A outra reação, mais perigosa para a saúde dos brasileiros, é a aposta na desinformação e na sabotagem. Bolsonaro insiste no lobby para o uso descontrolado da cloroquina, sem que existam testes suficientes a respeito de sua efetividade no tratamento da covid-19 e de seus efeitos colaterais.

No pronunciamento em cadeia nacional, ele outra vez destoou do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que recomenda cautela na adoção do medicamento. Além do papel de garoto-propaganda (é o que resta?), ele continua a incitar os brasileiros a descumprirem as normas de isolamento social e saírem às ruas.

Para abrandar o isolamento horizontal, medida de maior eficácia no combate à pandemia, seria preciso fazer testes em massa, com uso ampliado de tecnologia – sem informações precisas, qualquer decisão será pouco eficaz. Incapaz de dar uma solução técnica e científica a este e a outros desafios, Bolsonaro se fantasia de “agitador”. Ele e seus seguidores confundem irresponsabilidade e covardia com bravura.

 

Este é o momento mais delicado da pandemia. Os dados recentes mostram que o Brasil começou a subir a ladeira íngreme da contaminação: há mais infectados e mais mortos por dia, rumo ao pico identificado pelos especialistas entre fim de abril e início de maio. Afrouxar as regras de isolamento social seria um desastre.

O ex-capitão se importa? Nem um pouco. Desautorizado pela Justiça, pelos subordinados, pelo Congresso, pelas pesquisas e pelas panelas, ele tenta puxar o mundo político – e todos nós – para o lamaçal no qual se encontra. Contra a ciência, promove a alquimia. Contra as regras e a segurança dos cidadãos, distribui mentiras.

Em certa medida, ele tem alcançado o objetivo. Após três semanas das primeiras medidas de contenção, há mais gente nas ruas, aglomerações, das grandes cidades. Alguns estados, sem recursos para manter a população em casa, começam a liberar o comércio. O trunfo de Bolsonaro é a ignorância.

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