Dinamam Tuxá

Secretário executivo da Apib

Leila Saraiva

Assessora política do Inesc

Opinião

Se preservar é urgente, garantir direitos indígenas é crucial

Se os direitos territoriais indígenas são tão importantes no enfrentamento da clise climática, onde estão os recursos para a preservação dessas terras?

Integrantes dos povos indígenas de diversos países pan-amazônicos acompanham a Cúpula da Amazônia. Foto: Evaristo Sa/ AFP
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Entre os dias 17 e 24 de setembro, ocorre em Nova York mais uma Semana do Clima. Mais uma vez, os direitos territoriais indígenas serão afirmados como fundamentais para o enfrentamento da crise climática. Mais uma vez, no entanto, faremos a pergunta: onde está o recurso para a preservação das Terras Indígenas?

A importância das Terras Indígenas e demais comunidades locais como sumidouros de carbono tornou-se lugar comum das negociações climáticas. Essa repetida afirmação, no entanto, não tem significado garantia dos direitos territoriais dessas comunidades e nem efetivo investimento do financiamento climático para iniciativas que garantam a gestão de seus territórios.

No caso do Brasil, por exemplo, povos indígenas já possuem ferramentas para garantir a preservação de seus territórios, sistematizada, ao menos, desde 2007. São os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), elaborados coletivamente por cada comunidade, em processos participativos. Um estudo elaborado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) demonstra que, atualmente, há quase 90 milhões de hectares de Terras Indígenas com PGTA elaborados no País. Implementá-los, portanto, implicaria em preservar e recuperar uma área equivalente a quase duas vezes o território da França.

Ainda segundo o mesmo estudo, faltam recursos para tirar os PGTA do papel. Ainda que bem difundidos no País, tanto os investimentos públicos brasileiros como os internacionais foram escassos, considerando-se o montante que circula na cadeia do financiamento climático. Essa escassez se torna ainda mais grave quando tratamos de biomas menos reconhecidos na arena global, como a Caatinga ou o Cerrado. A priorização de um bioma em detrimento de outro, é bom dizer, não faz sentido, nem para os povos indígenas, nem para a comunidade científica. A preservação se dá de forma integrada.

O Brasil, infelizmente, não é um caso isolado na marcada discrepância entre a reconhecida importância dos povos indígenas na preservação ambiental e o acesso deles ao financiamento. Entre 2011 e 2020, apenas o equivalente a 1% da Assistência Oficial ao Desenvolvimento para mitigação e adaptação às mudanças foi gasto com a garantia de direitos e a gestão territorial e ambiental de povos indígenas. Além disso, somente 17% desses recursos chegaram para organizações lideradas por indígenas ou em projetos que mencionam diretamente essas organizações (Rainforest Norway Foundation, 2021).

Esse impasse não é novidade, ele tendo sido sistematicamente denunciado por povos indígenas de todo o mundo em espaços como a Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da UNFCC. Não à toa, na COP-26, realizada em Glasgow (Escócia) em 2021, um grupo de doadores estabeleceu o Indigenous Peoples and Local Communities Forest Tenure Pledge (IPLC Pledge), comprometendo-se a investir US$ 1,7 bilhão no avanço da proteção e dos direitos territoriais dos povos indígenas em florestas tropicais e subtropicais entre 2021 e 2025. Ainda que fundamental, mesmo iniciativas como essa parecem seguir os mesmos caminhos tortuosos. Segundo o relatório de prestação de contas, em 2021, 19% de recursos do IPLC Pledge foram investidos e, dentre eles, apenas 7% foram destinados a organizações indígenas, enquanto 51% foram para organizações não governamentais internacionais.

Enquanto financiadores alegam dificuldade de fazer os recursos chegarem aos povos indígenas por questões técnicas, povos indígenas seguem construindo suas próprias ferramentas. Além de instrumentos como os PGTA, multiplicam-se experiências de Fundos Indígenas, formulados com o intuito de atender, ao mesmo tempo, aos critérios exigidos por financiadores e às demandas das comunidades nos territórios. Tais instrumentos têm ganhado força e forma em todo mundo, como é o caso da plataforma criada pela Global Alliance of Territorial Communities: a Shandia Vision, da qual a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) faz parte. A APIB também está trabalhando para construir seu próprio Fundo, para somar-se a outras iniciativas já em curso no país.

A criação de Fundos Indígenas confronta as dificuldades alegadas pelos financiadores, mas também traz à luz a sua causa de fundo. O problema, como de costume, não é técnico, mas político. O mesmo modelo de desenvolvimento que nos trouxe à catástrofe climática que ora vivemos e que, por séculos, viola os direitos territoriais de povos indígenas e comunidades locais, agora, exige dessas comunidades que compensem seus efeitos nefastos, sem, no entanto, providenciar recursos para tal. Ou, pior, impondo a essas comunidades ações que destroem suas relações territoriais em nome de soluções mercadológicas. O velho colonialismo é agora também colonialismo climático.

No Brasil, não deixa de ser sintomático que, à questão do financiamento, somam-se outros empreendimentos também coloniais, como a tentativa de impor um Marco Temporal para a demarcação das Terras Indígenas, que volta à discussão do Supremo Tribunal Federal no dia 20 de setembro. Voltamos ao mesmo ponto: valem pouco os discursos sobre o enfrentamento da crise climática, se eles não significarem garantias territoriais e recursos para quem mantém os biomas em pé.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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