Opinião

Safras musicais, toneladas nordestinas e gramas neosertanejas

A indústria fonográfica criou um amplo jabá capaz de fazer-nos acreditar que o indecente novo som sertanejo é majoritário no gosto brasileiro

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Nas primeiras, como exige a geografia, incluo a Bahia, até mesmo o axé, que nem sempre o merece, mas sabem os leitores, a ladeira do Pelourinho, praça e teatro Castro Alves, Mercado Modelo, Elevador Lacerda, Recôncavo, Olodum e os Filhos de Gandhi, sintetizam o nascimento do Brasil naquelas plagas e até hoje o eternizam.

Ivete Sangalo e Daniela Mercury passam com 6,5, mais pela beleza e suas saltitantes danças do que pelo repertório musical. Vão.

Mas quem anda pelos sertões do semiárido nordestino, acima da Bahia, até o Maranhão, não terá dúvidas. Encontrará sempre as águas caudalosas de Luiz Gonzaga (1912-1989), Humberto Teixeira (1915-1979) e Patativa do Assaré (1909-2002). Abaixo interpretado por Maria Bethânia.

Setenta e sete, sessenta e quatro, noventa e três anos de idade, respectivamente. Viram como duram tais cabras, mesmo antes dos grandes avanços das ciências médicas? Chuto: suco de música e poesia boas com um trago de cachaça da roça e uma colherinha de bosta de galinha caipora. Sol forte queimando a cabeça protegida por chapéus de abas disformes, pano ou couro duro salvando a nuca.

Tabaréu e Bacurau em duplo papel.

Noquidá? Afluentes de Gaby Amarantos (ministra por mérito – informem-se sobre suas qualidades culturais), até Zeca Baleiro, Chico César, Lenine, Lucy Alves, Mestre Ambrósio, Elba, Geraldinho Azevedo, Alceu, Zé Ramalho, Mariana Aydar e Mestrinho, os falecidos Dominguinhos, Chico Science, Belchior e os alguns que nos deixaram cedo e que faziam parte idos Novos Baianos (donos do álbum seminal, Acabou Chorare).

Nenhum dos citados será tocado nas rádios ou apresentado nas telas na medida de suas qualidades autorais ou interpretativas. A indústria fonográfica criou um amplo jabá capaz de fazer-nos acreditar que o indecente novo som sertanejo é majoritário no gosto musical brasileiro.

Até nisso continuaremos medíocres.

Pois, então, apreciem Valdemar e Salvador, Piracicaba e Sorocaba, Lins e Gália, Matriza e Matrona, sei lá, ou qualquer transeunte das ruas de Goiânia, Luziânia, Campo Grande, Rondonópolis, Lucas do Rio Verde – a maioria dos que cantam o gosto musical predominante no Brasil vem desses paraísos do agronegócio. São responsáveis pela produção de 300 milhões de toneladas de grãos, com vantagens advindas para o País, inclusive a venda de motosserras para desmatamento eficaz e propaganda duvidosa sobre motéis enquanto palcos musicais.

Eu prefiro deixar meus olhos maravilhados quando se fabrica campos de alimentos, e se durante essa dura lida eles resolverem cantar as músicas preferenciais dos brasileiros que o façam, mas eu tampo os ouvidos e peço ajuda ao cancioneiro nordestino. Deus me livre.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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