Retrocesso democrático

A escolha do procurador-geral da República pelo método da lista tríplice substitui o interesse nacional pelo corporativo   

Prédio do Ministério Público Federal, em Brasília. Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR

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A ideia de lista tríplice para escolher o procurador-geral da República não representa nenhum avanço democrático, mas um retrocesso. Na prática, o que acontece com o método da lista tríplice é que a nomeação deixa de pertencer à soberania popular para ser entregue a um poder corporativo. Passa para as mãos do sindicato, ou da associação, ou da agremiação, ou seja lá de quem for – mas uma coisa é certa, sai das mãos do povo. Ao proceder dessa forma, ao ceder o poder de nomeação à corporação, o presidente não apenas aliena os poderes que o povo lhe confiou por meio da eleição, mas, pior do que tudo o mais, permite que o interesse nacional seja substituído por um interesse particular, um interesse de classe. Sucede que essa classe já tem poderes formais muito relevantes, que lhe foram outorgados pela lei e pela Constituição. E os últimos anos de Lava Jato foram suficientes para perceber que esse tipo de poder não se limita sozinho – ele vai até onde o deixarem ir.

E mais. Essa lista tríplice não significa um aumento de autonomia do Ministério Público, mas uma desresponsabilização do Ministério Público. No fundo, com a escolha por meio da lista tríplice dá-se satisfação a uma velha aspiração da corporação, não prestar contas perante ninguém. Não se trata de nenhuma ambição de imparcialidade, trata-se de poder. Em todo lado onde foi usada a desculpa da independência para obter mais poder para a corporação dos procuradores da República, o que se obteve foi sempre um contrapoder pretensamente purificado, alimentado de um ressentimento contra o sistema político, de consequências nada democráticas. Bem-vistas as coisas, a lista tríplice coloca cruamente o dilema democrático – é a democracia que faz o direito ou é o direito que faz a democracia?

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2 comentários

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 20 de março de 2023 00h38
A origem da tal lista tríplice vem do Império em que os promotores públicos eram nomeados pelas Câmaras Municipais. Já na primeira República com base na Constituição de 1891, O Procurador- Geral da República era sempre um ministro do Supremo Tribunal Federal, nomeado pelo Presidente da República. Somente a partir da Constituição de 1934, a mais alta hierarquia do Ministério Público deixou de ser escolhida dentre os integrantes dos tribunais determinando que o PGR seria de livre nomeação do presidente da República. Porque o presidente Lula, desde o ano de 2003 , passou ao critério da lista tríplice se a Constituição de 1988 em seu artigo 128 § 1º diz que o chefe é nomeado pelo presidente da República dentre os integrantes de carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a sua recondução e ponto? Certamente porque o presidente Lula quis dar um tom mais democrático a própria carta magna, mas de fato a tal lista tríplice acaba tirando-lhe a discricionariedade da nomeação do chefe do Ministério Público que a própria Constituição lhe confere. E, de fato, se o presidente Lula foi eleito com a maioria dos votos de seus eleitores, estes lhes atribuíram todas as prerrogativas para fazer o que a lei máxima do país lhe confere, e portanto, o nome que lhe sair da cabeça é perfeitamente legítimo e legal. Se render ao corporativismo das instituições que pensam ter a fórmula do que é melhor para o país, faz com que se desrespeite a vontade popular, e, portanto, fere o princípio básico da soberania do voto. Desta feita, o presidente Lula não pode se render a nomeação de um PGR pela pressão desta ou daquela instituição. Assim como, não pode nomear um ministro do STF porque tal comunidade quis ser representada na mais alta corte. Deve o presidente Lula, neste ponto, também nomear aquele ou aquela ministro que lhe aprouver. A representação popular está restrita no Congresso Nacional e no próprio poder executivo que deve cumprir o que a constituição dita. A mais alta corte não pode ser representativa, e sim, zelar pelo cumprimento da Constituição que consequentemente manterá a democracia viva e intacta.
SERGIO RICARDO RIBEIRO LIMA 18 de março de 2023 00h59
A pífia justificativa de entregar as decisões sobre as questões do país a grupos corporativos legalizados, como esta, por que o povo não tem conhecimento do tema em questão é a forma político-ideológica e o caminho mais fácil para tangenciar a democracia e ignorar a vontade popular. Se o povo não tem conhecimento sobre o tema, faça um amplo plebiscito, com divulgação maciça sobre a importância do tema para posterior consulta popular, que o povo irá escolher com sabedoria. As eleições presidenciais mostraram o quanto o povo, dos dois lados, estavam engajados no destino do país, para o bem ou para o mal!

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