Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Retomar a Amazônia

É preciso uma verdadeira operação de guerra para combater o crime que tomou conta da região

Retomar a Amazônia
Retomar a Amazônia
Foto: MICHAEL DANTAS / AFP
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Ao mesmo tempo que a sociedade brasileira teve conhecimento das terríveis imagens da tragédia Yanomâmi, aos poucos também se informa acerca do estado de abandono e da ausência do Poder Público na Amazônia. A região está entregue aos barões do ouro, aos madeireiros, garimpeiros, traficantes e ao crime organizado. Esses grupos cometem todos os tipos de crimes, de destruição e de violências, tendo como principais vítimas os povos originários e o meio ambiente.

É impressionante e degradante como essa imensa região, de importância estratégica para o Brasil e para o planeta, foi abandonada nas mãos de grandes criminosos que operam com milhares de pessoas, um verdadeiro exército, a serviço da destruição, violência e evasão de riquezas, do contrabando, da sonegação fiscal e toda a sorte de ilegalidades. Um estudo do MapBiomas revelou a existência de 2.869 pistas na região, 30% em terras indígenas. Só nas terras Yanomâmis são 75. A maior parte está a serviço da logística de atividades ilegais e criminosas. O garimpo utiliza mais de 1,2 mil pistas. Tudo isso revela o quanto são poderosos os operadores e chefes dessas atividades ilícitas.

A retomada da Amazônia pelo Poder Público requer uma verdadeira operação de guerra, não só com aumento da presença do Estado em suas múltiplas funções e com a proteção dos povos em risco, mas com uma necessária reforma e reorganização das instituições públicas federais, estaduais e municipais. Sem essa reorganização, sob a égide de um projeto estratégico de proteção e desenvolvimento socioambiental, as medidas tomadas poderão ser paliativas. A reorganização e a inovação institucional precisam ser feitas em várias frentes. Tome-se o caso da segurança. É preciso criar um Comando Militar da Amazônia unificado, integrando as três forças – Exército, Marinha e Aeronáutica. Nesse processo, torna-se necessário reforçar a presença da Marinha e da Aeronáutica, tanto em termos de capacitação humana quanto em dotação da capacidade operacional. Trata-se de estabelecer um rigoroso controle do espaço aéreo e das vias fluviais, sem o que as operações de segurança serão pouco eficazes.

Ainda na área da segurança, o recomendável é que nas capitais, nas grandes cidades e nos municípios estratégicos se criem comitês integrados com a participação da Polícia Federal, polícias estaduais, Forças Armadas, órgãos de proteção ambiental e representantes das três esferas da federação. Reformar e reforçar as instituições de fiscalização e controle ambientais – ICMBio, Ibama, Funai etc. –, dotando-as de pessoal e meios de ação, deve ter a mesma prioridade.

A reestruturação das instituições de segurança precisa estar integrada a duas outras frentes de reorganização e inovação. Uma delas diz respeito à frente de garantia de direitos aos povos da região em termos de saúde, assistência, educação, saneamento e descontaminação e habitação, com a construção de infraestrutura de garantia desses direitos. Os moradores precisam viver com dignidade, para que possam não só reduzir o dano ambiental, mas também se tornarem agentes de proteção do mesmo.

A outra frente diz respeito à elaboração de um projeto de desenvolvimento socioambiental capaz de produzir bem-estar e preservação. Hoje, os maiores beneficiários da exploração das riquezas amazônicas são, de um lado, os chefes das atividades criminosas e destrutivas e, de outro, grandes empresas que exploram a biodiversidade e pouco contribuem para o desenvolvimento sustentável local.

Dessa forma, o projeto de desenvolvimento socioambiental precisa propor um modelo produtivo distributivo, capaz de reforçar a autonomia local, integrando preservação, uso intensivo de tecnologias limpas, bem-estar e conservação das culturas e tradições da região. A assistência técnica, o desenvolvimento de técnicas produtivas preservacionistas e a disseminação de boas práticas são variados subsídios que o Estado precisa colocar à disposição dos indivíduos e do meio ambiente.

Se no longo prazo deve prevalecer a criação de consensos por meio de leis e da educação, no curto prazo são necessárias ações de força. É preciso bombardear pistas, destruir máquinas, apreender bens, prender os chefes e os barões beneficiários dos crimes, promover embargos de ações criminosas e confiscar terras desmatadas ilegalmente. Monitorar a circulação de ouro e de outros minerais preciosos, de madeira e de carne, promovendo o estrangulamento econômico das atividades criminosas, são ações repressivas e preventivas de curto prazo que precisam ser implementadas com urgência. Só assim a opinião pública brasileira e mundial terá uma resposta satisfatória por parte do Poder Público. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1246 DE CARTACAPITAL, EM 15 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Retomar a Amazônia”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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