Opinião

Resistir à dominação passa por dialogar com as próprias sombras

No caso do Brasil, o autoritarismo viceja em nossas trevas, entranhado pela cultura escravocrata

Créditos: EBC
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A Rússia, que há 75 anos libertava os prisioneiros do horror de Auschwitz, o pior dos campos de concentração do nazismo, consolida-se como superpotência. O Brasil, ao contrário, involui para a condição de colônia, como já fora no passado.

Com efeito, na semana passada, o governo russo anunciou a intenção de triplicar os investimentos no Iraque, para a extração conjunta de petróleo e gás. O anúncio escancara a derrota dos EUA naquele país – política, não militar – e também à luz as razões do golpe de estado no Brasil.

Perdedores em quase todas as frentes no Oriente Médio, os imperialistas voltaram-se à América do Sul com sanha redobrada, aqui encontrando uma oligarquia extremamente permeável aos seus interesses. Ocioso dizer que a imprensa brasileira não irá noticiar ou fazer qualquer análise a respeito.

A propósito, vale lembrar que o nazismo se elegeu, principalmente, graças aos votos das zonas rurais alemãs, nas quais, obviamente, a informação era mais escassa. Disso decorre o grande esforço das elites econômicas locais em controlarem os fluxos de informação, principalmente aqueles provenientes do exterior.

Para o projeto de dominação e manipulação, essa é condição determinante.

Em contraste, para um projeto libertador, essa deve ser a vertente primeira, inclusive porque o mundo caminha constantemente para novas linguagens, ainda mais veloz na atualidade, resultado das novas tecnologias, crescentemente pictóricas e virtuais.

Com efeito, verificam-se novos símbolos na rede mundial, a todo momento e com propagação quase instantânea, requerendo esforço continuado de compreensão. Desponta nesse universo a linguagem religiosa, com imensa capacidade de influência e direcionamento da opinião pública.

Não é à toa que os EUA investem tanto no imperialismo religioso, valendo notar que o ex-secretário de cultura de Bolsonaro, que plagiara o ministro da propaganda de Hitler, pertence a uma igreja exoticamente intitulada “SnowBall” (Bola de Neve, em português), presente até em cidades médias brasileiras (sempre que sejam ricas…).

Dessa forma, em meio a tanta diversificação simbólica e uniformização cultural, a escolha dos caminhos individuais e coletivos torna-se ainda mais desafiadora. Somos levados a sonhar sonhos de outras latitudes e longitudes, mas sem poder alcançá-las.

Convencem-nos de que outras vidas são culturalmente melhores e que, por isso, devemos nos aculturar, assim como os povos originários, cujas terras devem ser objeto de “desenvolvimento”, mero pretexto para sua eliminação física, por meio da introdução de mineração, agricultura e pecuária extensivas.

Nosso maior conjunto de símbolos comuns – nossa língua – também deve ser trocada por outra “melhor”, que nos permita mais rapidamente entender o que esperam de nós, para nossa própria exploração. Como resistir e reagir?

Em primeiro lugar, dialogando com nossas próprias sombras. No caso do Brasil, o autoritarismo viceja em nossas trevas, entranhado pela cultura escravocrata. Talvez seja essa a origem de artigo escrito por importante professor universitário, articulista de jornalzão, na semana passada. Nele, decreta – assim, de simples – a morte da esquerda no Brasil.

Lembrei-me de quando o gênio Henfil fez o mesmo com Elis Regina, por ter cantado em evento militar, durante a ditadura. Posteriormente, soube-se as circunstâncias daquela malfadada apresentação: Elis fora ameaçada com a prática mafiosa da vingança transversal, recaindo as ameaças sobre os filhos dela.

Mas as luzes, como regra, sempre vencem as trevas: seria Elis Regina quem posteriormente melhor cantaria, em “O Bêbado e a Equilibrista”, a importância da volta do irmão do Henfil, Betinho, exilado pela ditadura.

A música de João Bosco e Aldir Blanc tornou-se, na voz sublime da Pimentinha, o hino da anistia, ganhando os corações dos brasileiros e brasileiras, em muito facilitando a volta dos exilados políticos.

De fato, os caminhos da libertação são muitos, contemplando iluminações coletivas e individuais, ambas complexas. Na sempre boa Escola Florestam Fernandes, da Via Campesina, aprendi muito com um palhaço (artista, profissional de primeira; nada que ver com a família miliciana instalada em Brasília).

Ao abrir o espetáculo, ele perguntou quem da plateia já fora preso; assim justificou a pergunta: os revolucionários de fato passam pela prisão – haja vista Lula e Mandela, entre outros. “Quem ainda não foi, será”, vaticinou.

Eu, que tal me considerava, fiquei surpreso e já comecei a sorrir, por nunca ter visto a questão desse ângulo, que rompia com minha cultura burguesa, de classe média urbana. Senti uma iluminação interna, como se minha casa ganhasse mais um quarto, ensolarado.

Novos pensamentos, novos parâmetros, nova História, vamos construindo nossa microevolução (como bem diz meu querido amigo Daniel Bruno) que, somadas todas, formam um belo novo horizonte.

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