

Opinião
Reparação necessária
As mulheres negras, que representam 28% da população nacional, precisam ter a sua presença reconhecida e valorizada também na Suprema Corte


O Brasil é um país membro das Nações Unidas desde a sua criação, em 1945, e também é signatário de boa parte dos seus instrumentos, desde os mais gerais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, até os mais específicos, como a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Ambos os documentos, assim como o Plano de Ação de Durban, resultante da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Formas de Intolerância Correlatas, de 2001, convidam os Estados signatários a adotar medidas especiais para promover a equidade de raça e etnia, elucidando que a adoção de ações afirmativas é necessária por contribuir com o exercício pleno dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em igualdade de condições.
A Assembleia-Geral da ONU proclamou o período de 2015 a 2024 como a Década Internacional de Afrodescendentes, citando a necessidade de reforçar a cooperação nacional, regional e internacional em relação ao pleno reconhecimento dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos de pessoas afrodescendentes, bem como sua participação plena e igualitária em todos os espaços da sociedade. Nesta década, os principais objetivos a serem perseguidos pelos países são: 1. Promover o respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes, como reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2. Promover um maior conhecimento e respeito pelo patrimônio diversificado, a cultura e a contribuição de afrodescendentes para o desenvolvimento das sociedades. 3. Adotar e reforçar os quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais de acordo com o Declaração e Programa de Ação de Durban e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, bem como assegurar a sua plena implementação.
O Brasil comprometeu-se com o programa de atividades da Década Internacional de Afrodescendentes, que deve ser implementado em vários níveis. No plano nacional, devem ser viabilizadas medidas concretas para a adoção e efetiva implementação de programas de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância enfrentados pelos afrodescendentes. As organizações internacionais também foram chamadas para disseminar esses objetivos, além de ajudar os Estados na implementação plena e efetiva de seus compromissos, recolher dados estatísticos, incorporar os direitos humanos nos programas de desenvolvimento e honrar e preservar a memória histórica de pessoas afrodescendentes.
Os dados sobre as desigualdades que atingem a população negra, e de maneira mais acintosa as mulheres negras, são abundantes e demonstram uma inequívoca segmentação racial e de gênero que tem sido denunciada há décadas, mas segue garantindo a plena hegemonia dos homens brancos, que permanecem encastelados nas estruturas de poder desde a época das caravelas. Uma das características mais importantes e significativas da cultura negra refere-se ao protagonismo das mulheres negras na sua luta cotidiana pela sobrevivência e preservação da sua cultura, seus valores e princípios. Por esta razão, sua presença na Suprema Corte significa um gesto de reconhecimento e reparação.
Esperamos que a justiça prevaleça e que a dignidade das mulheres negras, que representam quase 28% da população brasileira, seja reconhecida e valorizada com a sua presença no STF. Acreditamos na coerência daqueles que zelam pelo cumprimento dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no âmbito nacional e perante a comunidade internacional, e que entendem a urgência da escolha de uma ministra negra. Finalmente, confiamos na integridade de todos que juraram respeitar a Constituição Federal e se comprometeram com o combate ao racismo e a promoção da cidadania, garantindo a escolha de uma ministra negra e, desta forma, fazendo história de maneira significativa, deixando um legado de sustentabilidade social para as gerações futuras. •
Publicado na edição n° 1279 de CartaCapital, em 04 de outubro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Reparação necessária’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.