Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Renascemos das cinzas: a beleza do Festival Literário de Araxá é prova disso

Assumia-se, ali, o compromisso com o direito à literatura, como nos ensinou o mestre Antonio Candido

Eliana Alvez Cruz, homenageada no 11º Festival Literário de Araxá — Foto: Divulgação/Fliaraxá
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O fechamento do Ministério da Cultura tornou-se uma marca do governo Bolsonaro, em um dos seus primeiros atos. Após a extinção do MinC, o que se viu foram quatro anos de ataques violentos e infundados a artistas e escritores, à diversidade cultural que retrata o País. Em meio a esses tempos de horror e perseguição, o Brasil ainda foi devastado pela COVID-19, que ceifou a vida de mais de 700 mil pessoas. Com o isolamento social, entre 2020 e 2021, dentre outras coisas, nos vimos impedidos de abraçar pessoas queridas, como também de frequentar festas, shows, teatros, cinemas e feiras literárias. 

Mas esse tempo ficou para trás. Derrotamos o inelegível. Com a presença emblemática da ministra Margareth Menezes, refundamos o Ministério da Cultura. Renascemos das cinzas, conforme cantou lindamente Martinho da Vila no samba em homenagem à Vila Isabel, sua escola do coração. A beleza do Festival Literário de Araxá, no interior de Minas, aponta para essa direção. E eu posso provar.

Entre os dias 4 e 9 de julho, tive o privilégio de estar presente na 11.ª Edição do Fliaraxá, festival presidido pelo jornalista e escritor Afonso Borges. Não é tarefa fácil falar desse acontecimento. Parecia um sonho. Confesso que estou até em dúvida por onde começar, mas vamos lá.

Fiquei impactada com a quantidade de pessoas presentes no evento. Na noite gelada de quarta-feira 4, as dependências do estádio municipal Fausto Alvim estavam lotadas para a solenidade de abertura. Fruto do cuidado, da sensibilidade dos curadores e de toda a equipe, como também de uma efetiva interlocução com os atores sociais araxaenses, a cidade abraçou o festival: famílias inteiras, crianças, jovens, adultos. Todo mundo compareceu. Entre uma atração e outra, Jamil Chade, jornalista, escritor e um dos convidados da festa, confidenciou-me a surpresa em relação à quantidade de gente: “Já estive em festivais no interior da Europa. Nunca vi nada igual!”, ele disse. 

Impossível não se emocionar com a chegada de um ônibus cheio de residentes do Lar dos Idosos São Vicente de Paulo. O mesmo ocorreu com a presença de centenas de crianças de escolas da região. Assumia-se, ali, o compromisso com o “direito à literatura”, como nos ensinou o mestre Antonio Candido. Foi lindo. Lindo demais. 

Já escrevi um bocado, mas é tanta coisa bonita para ser registrada, que ainda nem cheguei na constelação de escritores e escritoras que nos brindaram com suas histórias. Nomes como Jeferson Tenório, Paulo Lins, Kiusam Oliveira e Itamar Vieira Junior, cujo recém-lançado Salvar o fogo foi a obra mais vendida do festival. Em uma das mesas, o escritor baiano declarou que tem no horizonte escrever mais um livro para encerrar o ciclo iniciado com o best-seller Torto arado. Passava das 23h de uma sexta-feira, também gelada, e Itamar concedia autógrafos para uma legião de fãs. Entre tantos astros e estrelas, Eliana Alves Cruz, vencedora do Prêmio Jabuti, brilhou como uma das escritoras homenageadas. Em uma de suas falas, ela lembrou a importância dos professores em nossas vidas.

E as professoras, a propósito, não ficaram de fora do evento. Muito pelo contrário. Em um ato inédito, antirracista e de reconhecimento à profissão docente, o festival homenageou 43 professoras negras da cidade. É importante lembrar que vivemos num país extremante racista, em que a sociedade tem cristalizada no imaginário a ideia de que nós, afro-brasileiras, estamos nesse mundo apenas para servir e limpar a sujeira dos outros. Sendo assim, distinções como a que ocorreu no Fliaraxá são fundamentais para a construção de novos olhares e novas perspectivas em relação a esse grupo. 

As ameaças são muitas e estão à espreita, mas há muito o que comemorar. Precisamos comemorar, não resta dúvida. Renascemos das cinzas. Tudo que testemunhei no Fliaraxá, com brilho nos olhos e encantamento, é prova disso. 

Vida longa ao Festival Literário de Araxá! A gente se vê em 2024. Já estou com a roupa de ir, como uma criança ávida por um momento tão sonhado.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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