Jandira Feghali

[email protected]

É deputada federal (PCdoB-RJ), vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados e vice-presidente nacional do PCdoB

Opinião

Reforma tributária: uma janela de oportunidade

Nosso sistema é bastante regressivo, recaindo com força sobre a massa trabalhadora e com suavidade sobre os abastados

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

A Inglaterra do século XVII pretendeu inovar em termos de tributação ao instituir um imposto sobre janelas. As casas que tivessem até 10 janelas pagavam um imposto menor, já as que tivessem de 11 para cima pagavam um valor muito maior. A lógica era simples, quanto mais janelas, maiores as residências e, portanto, seria justo pagarem uma cota maior. O governo não previu algumas coisas.

Algumas famílias resolveram simplesmente fechar janelas com tijolos para escapar do fisco. A consequência, especialmente para os mais pobres que viviam em casas grandes compartilhadas ou alugavam quartos nessas casas com mais janelas foi drástica. A falta de ventilação e iluminação adequadas criou um verdadeiro problema de saúde pública. Mesmo assim, o governo persistiu e até reduziu o número de janelas para sete para que o valor maior incidisse. Este imposto, inacreditavelmente, durou até meados do século XIX e serve de modelo de como não fazer uma reforma tributária. Pensar em todas as consequências, especialmente sobre os menos favorecidos e para a saúde, é essencial.

No Brasil, tentamos efetuar uma reforma tributária há mais de 30 anos. Nosso sistema é bastante regressivo, recaindo com força sobre a massa trabalhadora e com suavidade sobre os abastados. Não é de hoje, portanto, que proposta após proposta falhem em conseguir aprovação porque esbarram em interesses de poucos em detrimento do benefício de um sistema progressivo para muitos.

Eis que chegamos a 2023 e, finalmente, parece que a tão sonhada reforma tributária sairá do papel com previsão de votação ainda em julho. Para além de simplificar impostos, a proposta apresentada inova em alguns pontos há muito reclamados. Um deles é o imposto seletivo, uma forma de aumentar a tributação de produtos que, comprovadamente, são prejudiciais à saúde. Com isso, pretende-se desestimular seu consumo. Já temos o exemplo de cigarros e bebidas alcoólicas e, junto à ACT/Promoção em Saúde, levamos ao relator a urgência em estender esta seletividade aos alimentos e bebidas ultraprocessados.

Relatório publicado pela ACT/Promoção em Saúde destaca que “Enquanto batemos recordes de exportação de alimentos, 33 milhões de pessoas passam fome, e 125,2 milhões não se sentem seguras quanto à capacidade de se alimentar no futuro. Um recente estudo revelou mais um dado alarmante: cerca de 57 mil mortes prematuras no Brasil, em 2019, são atribuíveis ao consumo de produtos ultraprocessados, um dos principais vetores da obesidade, que afeta cerca de 25% da população adulta, e de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) relacionadas como diabetes, câncer e doenças cardiovasculares.”

Considero este ponto um dos principais a serem debatidos e aprovados. O incentivo à alimentação saudável deve ser colocado como prioridade ao lado da tão desejada progressividade. É um primeiro passo para um sistema menos regressivo instituir imposto sobre veículos aquáticos e aéreos de uso particular, mas espero que, em legislação infraconstitucional, também se avance sobre a tributação de lucros e dividendos. A expectativa é que, numa segunda fase da reforma, também avancemos para a tributação de fortunas, heranças e patrimônio, conforme proposta elaborada com a contribuição de vários partidos em 2019 quando estive à frente da Liderança da Minoria. É nossa luta por uma reforma tributária solidária, justa e sustentável.

Sobre a simplificação, é preciso registrar que a extinção de fontes como Cofins e PIS afetam diretamente o Orçamento da Seguridade Social, sistema de proteção social determinado pela Constituição Federal. É necessária uma compensação para que as áreas de saúde, previdência e assistência social não fiquem desfinanciadas.

Arrecadar é preciso, principalmente com justiça e proporcionalidade. Com arrecadação eficiente sobre o patrimônio haveremos de superar os entraves para um crescimento sustentável e duradouro. Em muito, é isso que esperamos para ultrapassar os limites para os investimentos que o país precisa para crescer, gerar emprego e renda e combater desigualdades. Há uma janela de oportunidade para que se promovam as alterações agora e esta janela não pode ser obstruída pelos tijolos da ganância e da especulação.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo