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Reforma necessária

É preciso pensar para a PGR um modelo que mitigue tanto o excesso de corporativismo quanto o servilismo exacerbado do Ministério Público Federal ao Executivo

Prédio do Ministério Público Federal, em Brasília. Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR
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Um dos temas que têm mobilizado entrevistas e debates de presidenciáveis é o da atuação da Procuradoria-Geral da República em questões que envolvem política como disputa de poder. A discussão é pertinente. Reforça a demanda por uma reforma na estrutura da PGR, necessária para que avance o controle da corrupção, reduzindo as possibilidades de interferências políticas que fogem às razões de Justiça.

Experiências ao longo dos governos das últimas décadas caracterizam distorções de caráteres distintos no funcionamento do órgão. As gestões do PT nomearam os primeiros integrantes de uma lista votada pelos próprios procuradores, modelo associado à época ao republicanismo. O termo não se aplica, porém. O que havia, de fato, era um arquétipo de Estado autárquico, cunhado entre as orlas do corporativismo e da independência absoluta, em que setores profissionais de servidores estáveis, verdadeiros estamentos, acabam ingressando em decisões que deveriam ser de soberania popular.

O Ministério Público Federal, de um lado, exerce funções técnico-profissionais que justificam a seleção de seus membros por concurso. No entanto, além dessas atividades, o PGR em si conduz outras, de Estado, o que o transforma em um indivíduo sujeito a pressões políticas. Quando se estabeleceu a sua escolha por indicação da carreira, o que se instituiu, ao contrário do desejado, foi exatamente o envolvimento de estruturas do Ministério Público em disputas de poder, o que levou à produção de processos penais fraudulentos com a finalidade de interferir na democracia.

O exemplo maior é a Lava Jato, operação na qual, conforme apontado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, não apenas houve vulneração dos direitos de Lula, mas também uma intervenção indevida nos processos democráticos, impedindo Lula de ser candidato nas eleições de 2018 por processos penais inexistentes no plano material. O excessivo poder da corporação sobre a escolha de seu comando, não visto em nenhum outro Ministério Público do mundo democrático, contaminou a instituição.

Isso foi evidenciado, por exemplo, quando Jair Bolsonaro reconheceu, na posse do ex-ministro Sergio Moro, que, se não fosse por seu trabalho enquanto juiz, e consequentemente pelo papel exercido pelos procuradores enquanto membros do Ministério Público, ele não teria chegado à Presidência. Por meio dessa declaração, Bolsonaro, talvez ingenuamente, denunciou o uso do sistema de Justiça para fins político-partidários.

Tal deturpação transpareceu ainda ao Moro abandonar a magistratura para ser ministro, e depois candidato à Presidência e ao Senado, bem como quando Deltan Dallagnol, que era procurador e o coordenador da Lava Jato, deixou o Ministério Público para se candidatar a deputado.

Em ocorrências mais recentes, o Ministério Público Federal se fez condescendente com ilicitudes praticadas pelo Executivo, o que ocasionou, inclusive, inaceitáveis arquivamentos de investigações. Dessa maneira, neste último governo, voltou-se a repetir a prática histórica e antidemocrática, anterior aos governos do PT, da nomeação de procuradores-gerais com algum nível de comprometimento com o Executivo. Lembremo-nos do famoso caso do “engavetador-geral da República” do governo FHC.

Constatados esses desvios, é necessário pensar para a PGR um modelo que mitigue tanto o excesso de corporativismo quanto o servilismo exacerbado do Ministério Público Federal ao Executivo. Há uma série de medidas que poderiam ser adotadas pela via do Legislativo. Em primeiro lugar, é preciso rever a duração do mandato do PGR, atualmente de dois anos e renovável por mais dois. Um período de quatro anos evitaria que o nomeado dependesse do chefe do Estado para ser reconduzido. Além disso, hoje, nada impede que a pessoa que deixa a PGR seja nomeada como ministro do STF ou de Estado. Seria recomendável, ao término do mandato, que houvesse uma quarentena em que essa nomeação fosse interditada.

A forma atual de nomear o PGR, por sua vez, deve ser mantida, de modo que seja livre entre os integrantes da carreira, não havendo nenhum dever legal do Presidente da República de observar a lista tríplice. Por fim, em investigações que envolvam o presidente da República e os ministros de Estado, a decisão final quanto ao eventual arquivamento não pode ser tomada apenas pelo procurador-geral, hoje dotado desse poder imenso e indevido, mas por um conselho formado por membros do Ministério Público e integrantes da sociedade civil, ou ao menos pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal. Como se sabe, desde as Cortes de Westminster, as decisões judiciais colegiadas tendem a ser menos arbitrárias. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1224 DE CARTACAPITAL, EM 7 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Reforma necessária “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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