Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Recuerdos do futuro

A cada nova invenção, imaginávamos que o futuro estava batendo na nossa porta

O fax mexeu com o imaginário de muita gente
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Já vivi momentos em que acreditava piamente que o futuro havia chegado em definitivo. O primeiro momento, foi quando uma máquina de lavar roupas Bendix chegou na casa dos meus pais, onde eu ainda morava. Quando a minha mãe ligou pela primeira vez aquele trombolho e depois tirou a roupa lavada e cheirosa, pensei com os meus botões que já estávamos vivendo o futuro tão esperado.

Depois daquela Bendix, eu acreditava que nada mais tinha para ser inventado. Pois é, não podia imaginar o que estava por vir.

Aos poucos, o futuro foi chegando na minha vida. Não me esqueço quando vi, pela primeira vez numa televisão ainda em preto e branco, um anúncio da Drogatel Araújo. Você ligava pra Drogaria Araújo e um motorista dirigindo um fusquinha branco ia até a sua casa entregar o remédio. Aquilo sim é que era o tal futuro que tanto falavam. Imagine não ter mais que ir à farmácia para comprar um comprimido de Cafiespirina.

Mas outras coisas foram aparecendo com o passar dos anos. E quando o meu pai chegou em casa com um Magiclick, decretando a morte e o enterro dos fósforos Pinheiro, Marca Olho e Beija-Flor?

Ai, de repente, chegou a Polaroid! A nossa veio diretamente da América do Norte. Ela era enorme e revolucionária. Meu pai, que adorava tirar fotos, reuniu a família no alpendre da nossa casa e bateu a chapa. Em menos de um minuto, aquele papel começou a sair da câmera para espanto da minha mãe, cinco filhos, meu avô, minha avó e Tupi, que latia sem parar com aquela euforia toda. Ele deu uma três assopradas na foto pra secar e mostrou para cada um, todos estupefatos.

Depois inventaram o fax. Aí foi demais pra minha cabeça. Como era possível um papel sair de dentro do aparelho telefônico com o documento que uma pessoa colocou do outro lado da linha? Que mistério, que loucura era aquela?

Quando ganhei o primeiro compact-disc, cai na real que aquilo sim, era o futuro mesmo. Mas um futuro que só ia chegar ao mercado dentro uns cinquenta anos. Que nada, o segundo CD veio logo depois e era Maria Bethânia cantando as canções que o Roberto fez pra mim. Enxerguei a cerimônia do adeus e o um enterro coletivo de milhões de discos de vinil.

E quando inauguraram as primeiras locadoras na cidade? Era o máximo domingo à noite dar um pulo na 2001 e pegar um filme pra ver em casa. O primeiro que aluguei foi Óia a onça, do Chico Bento, pras minhas filhas pequenas.

Como se não bastasse tanto progresso, tanto futuro, inventaram a secretária eletrônica. Uma engenhoca que ficava ao lado do telefone preto e fixo, na nossa sala de jantar. Era um prazer enorme quando chegávamos em casa e víamos que a luzinha verde indicava que havia uma mensagem gravada. Dávamos um clack no botão e ouvíamos a voz da minha irmã que morava em Brasilia, mandando um recado do planalto central do país.

A omeleteira que compramos na Feira de Utilidades Domésticas – a UD – aqui em São Paulo, não era uma engenhoca eletrônica, mas era futurista também. Colocávamos os ovos batidos dentro dela, o recheio e, dois minutos depois virávamos a omeleteira. E a omelete saia inteirinha, uma beleza.

Depois da Drogatel Araújo, vieram tantas deliveries que a gente achou que não ia mais sair de casa, que ficaríamos apenas apertando botões, uma coisa assim meio família Jetsons. De repente, podíamos pedir pizza, comida chinesa, japonesa, tailandesa, podíamos fazer compras no Pão de Açúcar através do site Amélia, pedir um táxi e até mesmo passar um telegrama fonado, sem precisar sair de casa. E o pedido podia ser feito até mesmo em um telefone sem fio, outra invenção do futuro, em qualquer cômodo da casa. Nada mais Jetsons, não é mesmo?

O primeiro GPS que tivemos, um da Quatro Rodas, nos deixou assustados quando começou a falar, vire à direita em trezentos metros, siga em frente dois quilômetros, vire à esquerda em duzentos metros até o você chegou ao seu destino.

Mas susto mesmo foi quando me vi no Orkut. Aquilo era loucura demais pra um pobre mineiro que nasceu em Belo Horizonte, em 1950. Eu adorava ficar procurando o nome das comunidades e a que mais gostava era o “moça do tempo, tire a cabeça do Acre”.

Não vou falar mais nada porque senão meus leitores vão achar que sou da família Flintstone, do tempo do onça. Mas quando penso que não tem nada mais antigo que uma secretária eletrônica, que uma câmera Polaroid, que uma comunidade no Orkut, que um Magiclick acendendo o fogão, que um CD rodando no aparelho de som, que um fax expelindo papel, que ligar pra Drogatel Araújo pra pedir um Vick Vaporub, penso comigo mesmo: É, o futuro acabou!

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