

Opinião
Razões para acreditar
A estreia da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de Futebol Feminino revela um time maduro, com reais chances de conquistar o inédito título


Finalmente, a Seleção Brasileira estreou na Copa do Mundo de Futebol Feminino, disputada na Austrália e na Nova Zelândia. Foi um belo espetáculo. As atletas atenderam às expectativas diante da mais valorizada campanha de preparação, com apoio político e de comunicação semelhante ao oferecido para o Escrete masculino. Nada mais justo.
Agora, cabe às meninas colocarem em prática tudo que aprenderam nos últimos anos, sob o comando da treinadora sueca Pia Sundhage. Para nós, resta torcer fervorosamente pelo primeiro título mundial na categoria. A ansiedade na estreia, contra o Panamá, fez o gol de abertura demorar um pouco mais. Era questão de tempo, a superioridade brasileira era clara.
Não sei se o gramado sintético do estádio Hindmarsh, em Adelaide, fez alguma diferença em relação ao usado nos treinamentos. No começo da partida, a bola parecia correr com menos atrito, fugindo ao controle das atletas. É algo que também se nota em jogos do Brasileirão, com equipes acostumadas a treinar em campos de grama natural. A adaptação não é fácil.
A esperança da inédita conquista é alimentada pelo equilíbrio do conjunto brasileiro. Um time competitivo começa por uma boa goleira, e temos excelentes guarda-redes. A defesa apresenta bastante solidez. A zagueira Rafaelle Souza, não canso de dizer, é uma “Nilton Santos de saia”.
As laterais são experientes e seguras. O ataque demonstra grande entrosamento. Bia Zaneratto começou insegura, mas no decorrer do jogo ela engrenou. Coube à incisiva Debinha as principais finalizações, ainda que tenha passado em branco na maior parte do confronto.
A tensão de estreia ficou evidente após o primeiro dos três gols da esperta Ary Borges. Desatou a chorar. “Nem nos meus melhores sonhos eu imaginava isso”, afirmou a meia, ao término da partida, já transbordando de felicidade pela façanha. O passe de calcanhar do quarto gol merece uma laço de fita, foi uma verdadeira obra de arte.
A camaradagem entre as atletas também é notória, e esse é o fator primordial de qualquer trabalho conjunto. Na hora que o bicho pega, o esforço do grupo é que leva à vitória, à superação pela solidariedade. Além da capacidade técnica das seleções adversárias, convém sempre zelar pela saúde emocional das atletas. Esse fator foi determinante para a derrota da Seleção masculina na Copa do Catar. Aparentemente, Sundhage está atenta a isso.
Meu entusiasmo cresceu ainda mais ao saber de detalhes da orientação passada pela treinadora sueca. Um deles foi a escolha de bater os escanteios com a aproximação de uma companheira. Simplesmente alçar a bola para dentro da área é muito pouco, há opções mais criativas. As meninas podem ensinar isso aos times brasileiros. Esse foi o caminho trilhado pelo time memorável do Cruzeiro dos melhores dias, sob o comando do inesquecível Orlando Fantoni nos anos 1960/70. No atual cenário, faz muita falta a sua criatividade.
De volta aos clubes-empresa
Fora do campo, os mineiros, com sua conhecida sabedoria política, me trouxeram enorme alívio ao tomar conhecimento da iniciativa dos tais quatro erres do Atlético Mineiro – os empresários Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador, que assumiram o controle do clube.
O esporte profissional sempre vai depender das fontes de financiamento, que mudam a cada fase de sua evolução. Antes, os clubes dependiam de mecenas, dos grandes beneméritos. Agora, a receita do petróleo movimenta o futebol mundial, assim como as Sociedades Anônimas do Futebol, conhecidas pela sigla SAF e dispostas a modernizar a gestão esportiva.
A solução encontrada pelos magnatas que já vinham apoiando o Atlético é, no mínimo, a mais lógica. Quando se iniciaram as vendas dos clubes brasileiros, fiquei cismado: qual seria o interesse dos capitalistas nativos na jogada? Com a iniciativa dos quatro erres, restou claro que a SAF poderia perfeitamente ser constituída pelos próprios torcedores do clube.
Ainda acho muito esquisita essa história de time com “dono”, mas o movimento parece inevitável. A SAF do Cruzeiro, encabeçada por Ronaldo Fenômeno, não fica esquecida, está no mesmo bolo. Cartolas do Flamengo anunciam visita aos clubes americanos para pensar em seu modelo. O Vasco ainda patina com sua empresa. Parece questão de tempo para deslanchar. •
Publicado na edição n° 1270 de CartaCapital, em 02 de agosto de 2023.
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