

Opinião
Raro consenso nacional
Oito em cada dez brasileiros defendem a regulação das redes sociais para proteger crianças e adolescentes


Quando se fala em regulação das redes sociais, muita gente imagina um debate técnico, feito de termos jurídicos e disputas políticas. Pesquisa inédita do Instituto Locomotiva, em parceria com a QuestionPro, mostra outra realidade: a questão está profundamente ligada ao dia a dia das famílias brasileiras.
Nada escancara mais essa urgência do que a infância. Para 82% da população, crianças e adolescentes estão excessivamente expostos nas redes. O número é eloquente: 139 milhões de brasileiros enxergam um ambiente que pode comprometer segurança, saúde mental e até desempenho escolar dos mais jovens. O risco de ciberbullying, os transtornos de imagem e a chamada “adultização infantil” fazem parte do imaginário coletivo e traduzem uma preocupação real.
Esse sentimento não nasce por acaso. A cada semana, casos de violência online, de crimes cibernéticos e de exposição precoce ganham repercussão, reforçando a percepção de que a internet, apesar de suas vantagens, também pode ser um espaço de vulnerabilidade.
A questão não se esgota, porém, nas crianças. Elas são a lente mais sensível de um problema que afeta a sociedade como um todo. Ao defender regras específicas para proteger os jovens, 85% dos brasileiros estão, na prática, dizendo que a ausência de limites digitais ameaça todos nós.
É o mesmo princípio que leva 86% a apoiar o combate à desinformação e 78% a exigir que empresas de tecnologia sejam responsabilizadas pelo que circula em suas plataformas. Esses números revelam que, embora a infância seja a face mais dramática da exposição, a demanda coletiva é por uma internet mais saudável, transparente e equilibrada.
Há aqui uma mudança importante: a percepção de que liberdade de expressão não pode ser confundida com ausência de regras. Oito em cada dez brasileiros acreditam que o ambiente digital, sem regulação, torna-se espaço de bullying, violência e criminalidade. A demanda é por equilíbrio. A internet deve continuar sendo um espaço de pluralidade, mas com responsabilidade.
Essa responsabilidade envolve todos os atores: o Poder Público, que precisa criar leis claras; as empresas, que não podem eximir-se do papel de moderar o conteúdo que monetizam; e a sociedade, que deve assumir a tarefa de debater de modo informado e democrático o futuro da comunicação digital.
Não basta colocar a conta nas famílias. Pais e responsáveis são mediadores essenciais, e 91% da população concorda com isso. A pesquisa mostra, porém, que a maioria enxerga esse esforço como insuficiente. A infância não pode depender apenas do improviso doméstico. É papel do Estado estabelecer marcos legais e das empresas de tecnologia retirar conteúdos ilegais, combater fake news e assumir corresponsabilidade pelo ambiente em que lucram. Esse chamado à corresponsabilidade é central. Não se trata de retirar dos pais sua função, mas de reconhecer que nenhum indivíduo pode, sozinho, enfrentar corporações globais com algoritmos capazes de influenciar comportamentos em massa.
A regulação das redes não é apenas um tema de especialistas. Ela saiu dos gabinetes e chegou às ruas. O que os dados revelam é um raro consenso nacional, que atravessa ideologias: da esquerda à direita, de homens a mulheres, a maioria defende regras claras para o mundo digital. Esse consenso, raro em tempos de polarização, mostra que, quando o assunto é o futuro das novas gerações, a sociedade brasileira consegue encontrar pontos de união.
Ao olhar para a infância, enxergamos a urgência. Mas, ao responder à demanda por proteção das crianças, o Brasil também estará construindo um ambiente digital mais seguro para todos. O que está em jogo não é apenas o futuro das novas gerações, mas a qualidade da democracia no presente. Uma sociedade que consegue proteger seus cidadãos mais frágeis também fortalece seus valores democráticos, tornando a rede um espaço de diálogo, diversidade e construção coletiva, em vez de um território de risco e insegurança. •
Publicado na edição n° 1379 de CartaCapital, em 17 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Raro consenso nacional’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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