

Opinião
Quero ver alguém não cagão diante de um monge beneditino alemão
Temia os castigos, admoestações, mas como não parar 5 minutos e deliciar-me com a pequena horta plantada nos baixios do Vale do Anhangabaú


No dia 16 de agosto de 1945, Segunda Guerra Mundial em estertores, certo Rui nasceu na Pro Matre Paulista. De um Fritz (estranho, não?), descendente de imigrantes árabes, chegados ao Brasil, nos primeiros anos do século 20 para colher café, em São José do Rio Preto (SP). E de Yolanda, gaúcha, filha de espanhóis e italianos, que trabalhavam para calçar as ruas de Pelotas. Elas apedregulhadas e o café colhido, foram todos parar no comércio.
O destino fez o riopretense e a gaúcha se encontrarem na capital de São Paulo. E assim começou uma das tantas sagas Daher que existem no Brasil.
São árabes, espanhóis, italianos, nipônicos, russos, portugueses, búlgaros, sul-americanos, chinas, coreanos, tantos outros, que na paz ou guerra, são aqui recebidos em contraponto ao ódio. Mesma sequência da antológica lista de boias frias, descritas por João Bosco e Aldir Blanc, em “Rancho da Goiabada”.
Da maternidade, na Avenida Paulista, ainda sem Fiesp mas com a mansão dos Matarazzo e o impulso ao capitalismo industrial, me levaram para um apartamento no centro da cidade, em um largo à beira de um viaduto, Santa Efigênia ou Ifigênia. Até hoje a Cúria Metropolitana não me esclareceu.
Ali cresci, pouco, até hoje em dia, cada vez menor, estar à ponto de uma caixinha de fósforos para facilitar e baratear o funeral.
Lá, fui perdendo idade. De um Instituto de Ciências e Letras (Alfredo Pucca?) até o Colégio de São Bento, padres beneditinos, onde fiquei até o “científico”.
Como, jovens, não sabem? Nem mesmo você, ó astronauta Pontes? Posso dizer-me, então, candidato a ministro de Ciência e Tecnologia do RIP, Regente Insano Primeiro?
Pouco importa, pois. Reluz em mim o garoto de 10 anos, atravessando o Viaduto Santa Ifigênia (decidi, assim parece mais negra) percorrendo os poucos mais de cem metros até o Largo, para atender as sirenes que os beneditinos, germanicamente, nos advertiam: “serão admoestados”.
Quero ver alguém não cagão diante de um monge beneditino alemão.
Temia os castigos, admoestações, mas como não parar cinco minutos e deliciar-me com a pequena horta plantada nos baixios do Vale do Anhangabaú, recônditas, percebidas apenas pelo encanto de um menino.
Creio que naquela idade, o menino não saberia discernir sobre o que lá estaria semeado. Alface, brócolis, couve-flor, salsinhas, rabanetes? Sei lá, vão-se mais de 60 anos.
Talvez, abastecessem o SAPS, Serviço da Alimentação Social, que vigorou entre 1940 e 1967, para a classe trabalhadora. Pesquisem.
Mas, ainda hoje e amanhã, é o que vejo, não sob o Viaduto Santa Ifigênia, mas por todo o Brasil que percorro.
Inté!
Nota: nos próximos dias, autorizado por nosso redator-chefe, cobrirei, pela CartaCapital, o ESALQSHOW, que acontecerá entre os dias 9 e 11 de outubro, em Piracicaba. Voltarei, sem mudar de ideia. Será uma série, de três textos, que meus editores adaptarão como melhor acharem.
Pensem, reflitam e opinem.
Inté!
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