Cesar Calejon

Jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É autor dos livros 'A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI' (Kotter) e 'Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil' (Contracorrente)

Opinião

Quem sustentará Moro e o lavajatismo nas eleições de 2022

A candidatura do ex-juiz escancara o viralatismo de alguns setores da nossa sociedade

O ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Espionar oficiais estadunidenses para oferecer informações privilegiadas a governos estrangeiros no sentido de desestabilizar a democracia ou a economia daquele país é considerado algo tão grave que, há 104 anos, os norte-americanos sustentam medidas extremamente contundentes contra esse tipo de prática.

Sob o Espionage Act (1917) e a Lei Federal de Traição (Sedition Act), o cidadão (civil ou militar) flagrado coletando e entregando informações de estado para ajudar um governo estrangeiro pode ser condenado à prisão perpétua ou à pena de morte. A espionagem econômica também pode levar a quinze anos de prisão e multa de até US $ 5 milhões.

Imagine grampear, ilegalmente, a conversa entre dois chefes de estado e liberar o conteúdo à imprensa. Algo como um diálogo privado entre Obama e Bush para entregar à rede CBS no sentido de favorecer os russos.

Nos EUA, o país que os seus seguidores e ele mesmo tanto admiram, Moro enfrentaria a prisão perpetua ou a pena capital. Ao contrário, no Brasil e protegido pelo regime estadunidense, o ex-juiz e ex-ministro bolsonarista ainda é capaz de concorrer à Presidência da República com salário mensal de R$ 22 mil e apoio de mídias hegemônicas, parcelas do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e da própria população. Assim, a candidatura de Moro escancara o viralatismo de alguns setores da nossa sociedade.

Ironicamente, figuras parlamentares e jornalistas me acusam de aplicar uma mentalidade conspiracionista e vira-lata, porque, segundo eles, os brasileiros seriam capazes de conduzir as ações da Lava-Jato sozinhos e sem a ingerência estadunidense, a qual classificam como “teoria da conspiração”.

Infelizmente para os que seguem essa trágica linha de argumentação, existem provas cabais e irrefutáveis sobre a participação de instituições dos EUA na Lava-Jato e no golpe parlamentar de 2016. Ao redor do mundo, essa história é utilizada como exemplo clássico para ilustrar a interferência de uma nação nos assuntos internos de outra.

O jornal francês Le Monde, por exemplo, que não é comandado pelo PT, apresentou uma matéria completa sobre como essa saga começou ainda em 2007, no governo de George W. Bush, quando autoridades dos EUA demonstravam irritação pela falta de “cooperação” dos diplomatas brasileiros em diferentes searas, mas, sobretudo, com o falacioso programa de “combate ao terrorismo”.

A embaixada estadunidense no Brasil criou um grupo de especialistas que estivessem dispostos a “colaborar”, fossem simpáticos aos seus interesses e dispostos a aprender os seus métodos “sem parecer peões”, de acordo com o telegrama do embaixador Clifford Sobel e ao qual o Le Monde teve acesso.

A partir de 2007, Moro começou a “colaborar” com os EUA: participou de encontros e fez contato com diversos representantes do FBI, do Departamento de Justiça (DOJ) e do Departamento de Estado dos EUA.

Em seguida, os EUA criaram um posto de “conselheiro jurídico” na embaixada brasileira, que foi assumido por Karine Moreno-Taxman, especialista em combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo. Em 2009, ela foi convidada a falar na conferência anual dos agentes da Polícia Federal brasileira, que aconteceu em Fortaleza, e disse que: “(…) Em casos de corrupção, é preciso ir atrás do ‘rei’ de maneira sistemática e constante, para derrubá-lo. (…) Para que o Judiciário possa condenar alguém por corrupção, é preciso que o povo odeie essa pessoa. (…) A sociedade deve sentir que ele realmente abusou de seu cargo e exigir sua condenação”, segundo afirma o jornal francês.

Paralelamente, a mídia hegemônica brasileira martelava, ininterruptamente, o “escândalo do mensalão” e classificava o então presidente Lula e o PT, como “chefe” de uma “quadrilha criminosa”, respectivamente.

Ainda assim, entre 2009 e 2011, com o Brasil assumindo a posição de sexta economia do mundo e Lula com mais de 85% de aprovação popular, as condições objetivas não eram favoráveis aos planos de Moro.

Contudo, com o início da era do FCPA (2013), tema que já foi explorado previamente nessa coluna, e por meio do Projeto Pontes, o terreno estava preparado para a criação de grupos de trabalho anticorrupção e a aplicação de delações, coerções, intimidações e outros “métodos” que se tornaram as marcas registradas do lavajatismo.

Com a popularização dos smartphones (entre 2010 e 2013), a população nacional ganha mais protagonismo e passa a questionar a sua não participação efetiva na formulação da vida pública, o que, consequentemente, resulta em uma espécie de insatisfação com a democracia meramente representativa, fenômeno que ocorreu em diferentes partes do mundo no começo da década passada.

As Jornadas de Junho foram como uma espécie de milagre para as intenções lavajatistas e seus apoiadores. A partir desse ponto, o antipetismo explodiu, Dilma Rousseff foi impedida e Lula tornou-se inelegível. Sempre sob o signo do “combate à corrupção”. Lema que, em ampla medida, pauta a candidatura de Moro até hoje.

Em conferência realizada em 2017, em Nova York, Kenneth Blanco, procurador norte-americano, até confessou publicamente a existência da parceira “fora da lei” entre a Lava Jato e o Departamento de Justiça dos EUA. Inacreditavelmente, Blanco classificou a relação como um “relacionamento íntimo”, que desprezava “procedimentos formais”.

Dois anos depois, o conteúdo vazado por Walter Delgatti Neto e publicado pelo The Intercept confirmaram a formação do conluio jurídico-midiático internacional que viabilizou a Lava Jato. Moro reconheceu a legitimidade do conteúdo obtido por Delgatti, inclusive.

Portanto, existem provas, confissões e registros de todas as ordens. São fatos e não “teorias da conspiração”, segundo apontam alguns incautos ou deliberadamente cegos.

Lamentavelmente, fato também é o viralatismo dessas pessoas, que se sentem confortáveis submissas aos interesses estadunidenses e deverão sustentar Moro e o lavajatismo nas disputas eleitorais de 2022.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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