CartaCapital

Quem tem medo do juiz das garantias?

Críticas de distintos pontos ideológicos carecem de razoabilidade

Quem tem medo do juiz das garantias?
Quem tem medo do juiz das garantias?
Em julho, o ministro Dias Toffoli suspendeu processos judiciais que utilizam dados bancários sem a autorização da Justiça.
Apoie Siga-nos no

A lei nº 13.964/19 instituiu o chamado Pacote Anticrime trazendo uma polêmica que parece não ter fim. O capitulo mais recente foi protagonizado pelo Ministro Dias Toffoli, que prorrogou, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, a vacatio legis da mencionada lei por outros 180 dias, a contar da publicação da sua decisão proferida no dia 15 de janeiro de 2020.

Em outras palavras, a referida decisão empurrou a vigência da lei para o mês de julho deste ano. Se não tivermos outra decisão – tudo é possível –, os tribunais deverão se organizar, nos próximos 180 dias, para colocar em prática o juízo das garantias. Não custa lembrar que, em sua decisão, o Ministro Dias Toffoli reconheceu a constitucionalidade do juízo das garantias, inclusive fazendo expressos elogios à sua criação.

O juiz das garantias dividirá a presidência dos trabalhos com o juiz da instrução e do julgamento. A questão parece e é simples: um juiz funcionará na fase investigatória, examinando os pedidos que exijam a manifestação do Poder Judiciário, cessando a sua atuação no momento do juízo de admissibilidade da acusação, enquanto o outro juiz funcionará na fase processual propriamente dita, cabendo-lhe proferir a sentença.

Mas, se a questão é tão simples, por que motivo a comunidade jurídica, a imprensa e mesmo as pessoas que não têm formação jurídica têm criticado tanto o juízo das garantias?

Por que motivo o assunto se tornou tão polêmico?

Na nossa concepção, as críticas – para ambos os lados – merecem uma reflexão. Aqueles que defendem a criação do juízo das garantias afirmam que o mesmo será o remédio para a solução de um problema chamado parcialidade do juiz. Alega-se que o juiz que atua na fase de investigação, ao deferir medidas como a prisão temporária e a busca e a apreensão, perde a sua necessária imparcialidade para o julgamento, o que será evitado com a criação do juízo das garantias. De outro lado, aqueles que são contrários à criação do juízo das garantias sustentam que o mesmo causará grande impunidade e tornará a nossa vida em sociedade ainda mais problemática.

Não somos radicais.

Na nossa avaliação, ambas as críticas carecem de razoabilidade. O fato de o juiz porventura deferir uma medida desfavorável ao investigado não impõe a condenação do mesmo, após o recebimento da denúncia oferecida em seu desfavor. Ninguém pode duvidar da existência de muitos processos nos quais os juízes decretam a prisão temporária ou deferem a busca e apreensão e, depois, examinando as provas produzidas em juízo, acabam absolvendo o réu. Não há nada de complexo nisso.

De outro lado, a criação do juízo das garantias não funcionará como lavagem cerebral em todos os magistrados, impondo absolvições absurdas e consagrando a impunidade. É evidente que isso não ocorrerá. A mudança anunciada não imporá o recrutamento de juízes necessariamente liberais. Serão os mesmos juízes. Em outras palavras, o juiz liberal que atua na sua vara criminal e que passará a atuar no juízo das garantias continuará liberal, enquanto juiz rigoroso que atua na sua vara criminal e que passará a atuar no juízo das garantias continuará rigoroso.

Não vemos motivos para tanto alarde. A recente liminar concedida no Supremo Tribunal Federal, oportunamente, aumentou o período de adaptação pelo qual todos os tribunais deverão passar. É claro que mudanças deverão ser operadas para que, então, o juízo das garantias seja colocado em prática. Mas a questão é meramente organizacional.

Ninguém precisa temer o juiz das garantias.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo