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A coluna “Ação Educativa Debate” é de responsabilidade da organização da sociedade civil Ação Educativa, instituição fundada em 1994 que atua nos campos da educação, da cultura e da juventude, na perspectiva dos direitos humanos.

Opinião

Quem tem medo da Educação Popular?

É o momento da sociedade civil retomar o seu protagonismo, fazer da educação e da cultura instrumento de resistência frente ao atraso e ao conservadorismo

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Por Sérgio Haddad

Recentemente, o tema da Educação Popular voltou a ser considerado entre educadores, educadoras e ativistas sociais. Poderíamos dizer que foi nos dois últimos governos petistas que ele ganhou relevância, quando a sua base de sustentação política começava a migrar para outros partidos e aqueles que permaneciam fiéis falavam sobre a necessidade de voltar ao trabalho de base para fazer formação política.

Por trás destas atitudes estaria a avaliação de que os governos chamados “democratas e populares” tinham dado mais atenção em elevar as populações pobres à condição de consumidores do que de atores políticos que pudessem ajudar nas mudanças estruturais necessárias para tornar o Brasil um país mais justo e respeitador de direitos.

Nascido no período da democratização das instituições políticas pós governos militares, o Partido dos Trabalhadores (PT) seria o principal partido a ter na Educação Popular uma forte aliada para seu trabalho de base. Afinal, tinha entre seus apoiadores iniciais uma grande parcela dos movimentos sociais, sindicais e pastorais, que praticavam a educação popular para o trabalho de formação política dos seus ativistas.

O que seria esta educação popular que, nascida no colo da sociedade civil, ajudou a mobilizar setores organizados e deu sustentação política para o Partido dos Trabalhadores desde o seu nascedouro?

Algumas características podem ser apontadas: inicialmente uma profunda crença no ser humano como fator de mudança social. Acreditava-se que somente quando as classes populares ganhassem consciência das suas condições de vida e das raízes dos problemas que as afetavam, poderiam se envolver com mais engajamento para participar dos seus destinos e do da nação. Acreditava-se que só a partir do envolvimento da base da sociedade, dos mais “lascados”, dos oprimidos, dos discriminados, com suas demandas, se poderia construir uma sociedade mais justa e democrática.

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Esta perspectiva se desdobrava em duas outras que davam relevância ao tema do saber e ao tema do poder nas práticas de educação popular. Não bastava falar no protagonismo dos setores populares se não houvesse uma pedagogia coerente com aquela concepção de ser humano como um ser criativo, produtor de conhecimentos, vocacionado a ser mais e a lutar pelos seus interesses.Assim, os conteúdos dos trabalhos educativos deveriam levar em consideração a história que cada uma das pessoas envolvidas carregava, seus conhecimentos, sua cultura.

Esta era a matriz da construção do saber na Educação Popular: processos educativos com setores populares (organizados ou não) que, por meio de uma pedagogia crítica, respeitando seus conhecimentos, suas habilidades e seus valores – que constituíam a sua cultura – produzissem um novo conhecimento ao se relacionar com seus educadores e educadoras, que chegariam a este processo educativo também com seus conhecimentos, valores e habilidades.

É do diálogo respeitoso entre estes dois polos que se dariam os processos de análise da realidade, tomada de consciência sobre as causas que afetavam os setores populares e a construção de estratégias para a sua transformação.

E onde estaria o tema do poder na educação popular? Estaria na metodologia destes processos educativos, na sua horizontalidade, no respeito à opinião de todos, na participação coletiva na definição dos temas e conteúdos a serem trabalhados, na democracia como método de atuar (por convencimento e não por briga). Exercer a democracia nos espaços educativos para poder empoderá-la no cotidiano, na família, na igreja, na comunidade e, finalmente, nas instâncias de poder.

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Foi a partir desta lógica que experimentos educativos foram se espalhando, com temáticas de interesse popular: a condição da infância e o empoderamento das mulheres, discutidos no movimento de creche, por exemplo; a situação da saúde da população, o tipo de atendimento realizado pelo poder público, as medicinas alternativas, discutidos nos movimentos de saúde; as lutas trabalhistas, as condições de trabalho, as desigualdades de gênero, discutidas nos movimentos sindicais; as análises de realidade realizadas por inspiração evangélica, nas comunidades eclesiais de base.

Em alguns momentos, os pequenos trabalhos de Educação Popular se uniram em movimentos maiores, como ocorreu com o movimento contra a carestia, ou pelo voto direto para eleição dos governantes, ou então na luta pela anistia política daqueles que estavam presos ou refugiados. Assim, os processos democráticos foram se consolidando na base da sociedade com o aumento da participação junto com a politização.

Paulo Freire foi a grande matriz epistemológica e pedagógica deste tipo de trabalho popular, e por isso, foi preso pelos militares e exilado por 15 anos a partir de 1964. Aos militares e aos setores civis que assumiram o poder pela força, não interessava ampliar a consciência crítica e a participação dos mais pobres e marginalizados demandando direitos.

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Os primeiros governos civis da década de 1990, saindo da ditadura, apesar de reconhecerem a ascensão dos setores populares, preferiram falar e agir em nome deles. Os governos petistas, junto com parcela da sociedade civil, ampliaram os processos participativos dos setores populares, marginalizados e discriminados, mas falharam em aumentar a sua politização para realizar as reformas estruturais que levassem a superar de forma sustentável as desigualdades. O governo Bolsonaro não tem interesse neste tipo de coisa, aliás, quer banir Paulo Freire e o seu pensamento. Com isto, voltamos a 1964.

É o momento da sociedade civil retomar o seu protagonismo, como o fez a partir dos anos 1960, e, de forma criativa, adaptada aos novos tempos, fazer da educação e da cultura popular forte instrumento de resistência frente ao atraso e ao conservadorismo que vem se impondo, anunciando ao mesmo tempo novos projetos de sociedade e os caminhos para alcançá-los.

Sérgio Haddad é coordenador de projetos especiais na Ação Educativa. Educador e economista, doutor em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em educação de jovens e adultos, educação popular e políticas públicas.

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